XÔ, BICHO !

Agora, via Recanto das Letras, meus palavrórios chegam do lado de lá das cristas de serra que circundam Bom Despacho. Daí, convir aqui um pequeno adendo ao título da crônica. No interiorzão de Minas, “sô” é como o povo faz a abreviação de “senhor". Assim, por síncope, Senhor José - vira Sô Zé! “Xô” é a forma onomatopaica de espantar bichos caseiros, como em “- Xô, galinha, sai pra lá!” Mas deixemos os prolegômenos e passemos ao caso, dado atrás daquelas costelas de morros, que trazem o horizonte mais para perto, num lugar chamado Buriti Grande.

Bom Despacho é daquelas cidades onde o que é para não ser, fica sendo! Por exemplo, aqui tem uma Praça chamada Jardim-sem-flor! Ora, veja! Ali estaciona-se pequena frota de caminhões-baú que fazem fretes, geralmente no perímetro urbano da “City”. De ordinário, morenos parrudos - tipo que sozinho sobe carregando uma geladeira, escadaria acima, até um apartamento no terceiro andar -, os chapas (ajudantes) ficam por perto, jogando conversa fora, até aparecer serviço. Um deles, de quem não ouso discordar, outro dia, já que estas lorotas saem num jornalzinho local, me falou que lê e aprecia tais estripulias, mencionando a do “Xô, Bicho!” como das que por último lhe caíram no agrado. Serei eu besta em contraditá-lo?

No segundo prato da balança, em nada lembrando um chapa de mãos calejadas, o Xô, Bicho! gabava-se de ferramenta nenhuma nunca lhe haver “machucado as mãos”! Sem ofício na vida, sobrava-lhe tempo para fazer uso do charme de conquistador barato; vindo a cair de amores e interesses por rica fazendeira, porém casada. Para fazer-lhe a corte inventou que era farmacêutico, vendendo pílulas (placebo: farinha de trigo com água) aos peões, garantindo curar-lhes de queda de cabelo até frieira! E, manhoso, chegando de meio-dia para a tarde, acabava pedindo pouso na casa sede.

O “romance” durou até o fazendeiro interceptar um bilhetinho do apaixonado don Juan, para sua esposa. Como na roça tem-se todo o tempo da vida, para fazer as coisas, foi cozinhando o galo, cuidando que ninguém percebesse a indesejável protuberância, embaixo do chapéu! O bargado teria o que vinha merecendo. Numa visita do ‘farmacêutico’, ocorrida três dias após a morte de uma égua, o fazendeiro mandou os empregados abrirem e tirar os fatos do animal, costurando dentro o don Juan de araque. Só com a cabeça de fora, indefeso, vindo os urubus, o infeliz conquistador apenas gritava: Xô, bicho! Xô, bicho! Daí advindo-lhe o apelido odioso.

A molecada só gritava “Xô, Bicho!” - de longe, porque palavrões e pedradas choviam, na certa. Porém, de pau torto... até a cinza é torta! Tempos depois, para defender a grana dos golos, o Xô, Bicho! inventou que era médium, fazendo baixar espíritos! “- Só se for espírito de porco! Era cachaçada pura.” Desabafou o Berim, vizinho e testemunha de suas arruaças, na Tabatinga. Bêbado como um gambá, o “cavalo” saía para o terreiro, às madrugadas, gritando insanamente: “Vem, caboquinho! Desce, Bicho-brabo!” A leréia não deixava a vizinhança dormir. Se ele não tinha o quê fazer no dia seguinte, os outros tinham! Em vão, reclamavam.

Até que um tio do Berim - sargentão nuns fundos de Goiás -, em visita ao sobrinho, assistiu à pantomima do Xô, Bicho!. Na noite adiante, envolto num lençol branco e com um chicote de três pernas escondido, tão logo iniciaram as invocações regadas a suco de cana, apresentando-se como “entidade” o militar aplicou no distinto memorável surra. Desde então, os moradores da Tabatinga, à noite, não mais ouviram: “Vem, caboquinho! Desce, Bicho-brabo!”

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 12/09/2010
Reeditado em 12/09/2010
Código do texto: T2492656