NOVA BOSSA NOVA?!

Bossa Nova

O que foi a bossa nova?...

Essa pergunta tem sido recorrente para os que não viveram de perto esse movimento musical de época. O fato é que por mais que se tenham críticas, não dá para não dizer que a bossa nova não traga consigo a essência da canção. E é pela canção, por esse valor agregado, que a bossa nova conseguiu se tornar tão longeva.

Não raro em quase todas as grandes praças do mundo pode se ouvir esse ritmo que embala as lindas canções que a bossa nova conseguiu criar.

Porém, hoje, isso é verdadeiramente fascinante, uma vez que a nova tendência musical acena para o sepultamento da canção. E, ver que a bossa nova estar ressurgindo com novo formato, advindo dos ritmos mais frenéticos, que vêm incorporando todos os recursos hoje disponíveis pela eletrônica e por todo esse aparato tecnológico da modernidade, dando, assim, uma leitura própria a esse movimento e ao mesmo tempo que faz a releitura das suas estruturas constitutivas. É muito gratificante e de tirar o chapéu, porque isso nos faz ver que a música quando é música, independentemente da época, ela atravessa as muralhas dos séculos e nos alcança onde quer que estejamos, basta para isso sintonizar a nossa sensibilidade e abrir os ouvidos. É isso aí, o fato da bossa nova ser genuinamente música, fez com que ela, com certeza, evoluísse para se adequar as novas tendências trazidas pela modernidade. Talvez até como um extinto de sobrevivência, para conseguir comunicar a mensagem que suas canções carreiam.

Ao incorporar o ritmo eletrônico à bossa nova torna-se mais dançante e um pouco mais apimentada, ganha mais "swing" e a métrica dos compassos, tipicamente, 2/4 ganha mais subdivisões típicas das músicas eletrônicas. O ritmo calmo, sereno e tranquilo, característico mesmo desse estilo ganha nova roupagem, que o torna mais adequado a toda essa modernidade. Esse tempero traz um plus à bossa, de maneira que as regravações do passado podem ser ouvidas com esse novo conceito introduzido pela musica eletrônica.

Alguns desses filhos da bossa nova fazem isso muito bem, Bebel Gilberto, Celsinho Fonseca, Menescal Jr, Cris Delano, Fernandinha Porto e, até o não tão jovem, Marcos Valle estão fazendo isso e trabalhando com extremo bom gosto, dando o tom adequado a essa releitura.

Porém, a bossa nova recebeu dura criticas, muito em função da própria época em que nasceu. O mundo de uma maneira geral fervilhava dentro de um profundo existencialismo, na busca para uma saída da prisão em que se transformou. Era a época das grandes transformações. O mundo saia, por assim dizer, da sua adolescência para fase vestibular de sua vida madura. Questionamentos profundos foram feitos, colocando em cheque as estruturas socioeconômicas politicamente organizadas da época. O concretismo das formas operacionais estava sufocando as pessoas, limitando-as cada vez mais do exercício fundamental que é viver a vida dignamente.

Dessa forma, surgiram os movimentos de ação política, que tinha no seu bojo uma proposta para mudar o pacto social de até então. A reação não foi das melhores, sobretudo, a dos que detinham o poder político e econômico, pois viram nisso uma ameaça considerável as suas pretensões de continuísmo, uma vez que ganhavam muito com esse estado de coisas. Muitos sentiram o gosto amargo do sofrimento que foi servido no cálice de ferro nos subterrâneos dessa reação.

Então, a bossa nova surge nesse cenário de efervescência de ideias, sobretudo, das ideias de renovação política, todavia, se mantém na periferia de toda essa ação política. De cara para o mar da zona sul carioca, ela se mantinha néscia à engrenagem que movia o mundo real de sua época. Pelo menos era isso que os críticos da bossa fizeram crer.

É bem verdade, que um grupo de jovens se reunia com frequência no apartamento de Nara Leão, em Copacabana, alheios aos movimentos das bases estudantis e operárias, e, empolgados com a batida rítmica criada por João Gilberto. Descobriram a possibilidade de encaixarem dentro desse ritmo todas as formas de composições que iam surgindo, brotando da inspiração de cada um. Assim, surgiu a Bossa Nova, e não seria melhor nem pior. Seria completamente diferente de tudo, mais intimista, mais refinada, mais alegre, otimista. Diferente. Não começou especificamente num lugar, numa rua, num evento, num Festival. A rigor, ela não é nem um gênero musical. É o tratamento que se dá a uma música, em termos de 'batida' e de ritmo.

Temos por exemplo: “Copacabana pelas manhãs tu és a vida a cantar... O Mar ao te beijar, ficou perdido de amor. E hoje vive a murmurar, só a ti, Copacabana eu hei de amar ( canção que, provavelmente, foi a mãe das demais que viriam) ou, então, Um barquinho que veleja sem parar no profundo azul do mar”. Também isso: ” A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor. Brilha tranquila. Depois de leve oscila. E cai como uma lágrima de amor”. Ou, simplesmente, ficar olhando a garota que passa com um doce balanço a caminho do mar. Assim surgiram as canções, fruto desse olhar de quem faz amor preguiçosamente, e que por conta disso tornaram-se clássicas com certo ar de eternidade. Seria pouco provável que essa atmosfera passasse desapercebida do olhar poético de Vinicius. Ipanema sempre teve um ritmo próprio que embala a vida, perceber seus tons, sutilezas e sua musicalidade, é um exercício de puro e absorto mergulho no oceano da vida, e se deixar encantar com a sutiliza etérea de sua espiritualidade. E a garota de Ipanema traduzia perfeitamente esse balanço relaxado do jeito de ser carioca de curtir a vida. E a poesia que saiu da boca de Vinícius, saiu já música com todo esse balanço do retrato que foi tirado da garota de Ipanema.

Bom... a bossa nova é bem isso, ou seja, é o olhar a janela e contemplar a vida. Sentar à tardinha, nas pedras do Arpoador, e ver o pôr do sol dá lugar a uma infinitude de cores trazidas pelo poente. Sair à notinha, sobre o céu de estrela só para namorar. Caminhar lentamente com olhar contemplativo absorto em pensamentos, perdido no universo da poesia que é a vida.

Na verdade, é lamentável que isso tenha se perdido, não porque as pessoas tenham perdido o lado sentimental da vida. Todavia é muito difícil pensar em fazer coisas semelhantes hoje, pois vivemos num mundo cada vez mais “conflitivo”, onde a preocupação com a sobrevivência acabou tirando o espaço da música, da poesia, do romantismo e por aí vai, então, quem viveu, viveu. São coisas que tão logo haja terreno propício volta a brotar no espírito humano, mas não já, é preciso primeiro debelar a guerra urbana instalado no cenário da zonal sul e onde parte da sociedade carioca se tornou refém da violência.

Veja que a bossa nova para nascer precisou de um berço próprio, que foi construído pelo aparente clima de tranquilidade que a zona sul carioca vivia, na metade dos anos cinquenta e início dos anos sessenta. Agora, muito embora tenha sofrido críticas, pela falta de engajamento político da época, por outro lado, a bossa nova trouxe para dentro desse cenário político a inspiração que modelou o processo de transição para uma sociedade mais democrática, porque sem sobra de dúvida o que mais a bossa nova tem é o sentimento de liberdade pela vida.

E, cá para nós, assim como havia alguém traduzindo a política daquele tempo, também existia alguém preocupado com a filosofia, com a sociologia e por que não com a música e a poesia da época. Logo, a meu ver, tudo antes de acontecer surgi primeiro na imaginação cujo veículo é a inspiração. Assim sendo, os agentes da bossa, que me perdoem os críticos, se é uma coisa que não lhes faltou, foram talento e inspiração para traduzir com maestria toda a música que estava no ar. É indiscutível o talento de um Tom Jobim, Chico Buarque, Menescal, Marcos Valle, Vinicius de Moraes, Ronaldo Bôscoli, Carlinhos Lyra e por aí vai, esses caras foram gênios no que fizeram e ainda fazem. Pois estão conseguindo sobreviver além de suas próprias épocas.

Assim, que seja bem-vinda a nova bossa nova, com todo o seu arcabouço de modernidade incorporado, eletrônica, ritmo mais frenético e, sobretudo o renascimento da canção.

(Fábio Omena)

Ohhdin
Enviado por Ohhdin em 12/09/2010
Reeditado em 16/08/2015
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