A ETERNIDADE DO MELÃO

O Marcelo é um cara agregador. A sua aura é daquelas que exalam uma energia tão boa, que acho difícil até mesmo para um estranho que lhe aborde para qualquer coisa não querer permanecer em sua companhia por mais algum tempo. Eu não sei se posso me considerar seu amigo. Pelo menos gostaria. Depois de muitos anos sem notícias mútuas, nos encontramos outro dia. A gente ali naquele papo de atualizar as trajetórias e ele me disse o quanto a sua vida havia mudado de uma hora para outra. É que tornou-se pai de quadrigêmeos. Virou notícia no jornal da televisão aqui em BH. No entanto, não tinha uma olheira sequer, mesmo me dizendo que seu ritmo é levantar no máximo às quatro da manhã para fazer a sua parte nas mamadeiras, ajudar a carregar uma ou duas das meninas enquanto as outras mamam, trocar fraldas, etc e depois sai para o trabalho, no escritório de advocacia, aquela loucura de reclamados e reclamantes , audiências, petições e recursos. Ah, e ainda me contou que continua com sua banda tocando nas noites. Ele gosta muito de rock e disse-me que agora faz um cover de Elvis Presley. Toca pelo menos uma vez por semana em bares e festas. Eu disse, depois de verificar que nesses anos todos e num turbilhão assim, a receita da boa genética e da conservação pelo espírito tranquilo estava com ele.

A medicina já está anunciando que vamos poder chegar saudáveis até os 100 anos. Eu disse para ele que algumas pessoas vão precisar mesmo de uma ajuda da medicina se quiserem. Acho que ele não vai precisar. E olhe que ele possui um sócio que tem todos os ingredientes para melar a sua longevidade! O outro é uma bomba relógio armada. Destemperado verbalmente, intolerante e impaciente, quase sempre de mau humor. Creio que o Marcelo seja o seu ponto de equilíbrio. O sócio dele, se quiser viver 100 anos, vai precisar e muito da ajuda de tecnologias médicas.

Muita gente nesse mundo tem um desejo de se eternizar. Uns por algum feito memorável outros pela permanência em carne e osso aqui na terra. A consciência da nossa finitude é o que acho que mais assusta e faz as idiossincrasias de cada um. Alguns buscam exercer a hipocrisia da bondade que não possuem, com um medo quase religioso do que possa haver depois da morte. A maioria, no entanto se contenta em fazer o bem por pura consciência de que está cumprindo seu papel de vir, deixar uma boa contribuição e partir desta para melhor. Mas é muito difícil encontrar alguém que queira morrer de bom grado, mesmo com a consciência tranqüila, né não? Portanto, vamos vivendo por ai nos equilibrando nesta dicotomia impalpável.

Bom, e o que o melão tem a ver com isso? Eu só ia falar dele no dia 31 de dezembro, quando vai fazer um ano que eu o comprei. Está já com nove meses, quase dez e permanece intacto na fruteira aqui em casa. Não desidratou que nem um maracujá maduro, não amadureceu mais, nem apodreceu - como poderá alguém pensar. Está viçoso e com a mesma aparência que veio da feira até hoje. O que o homem fez com o melão é o que deve estar sendo preparado em termos de eternidade para a genética humana. Já, já, vamos poder escolher entre o que está no seu interior e o que ele aparenta por fora.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 17/09/2010
Reeditado em 17/09/2010
Código do texto: T2502916
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