Seu Zezo e a caderneta

Então resolvemos passar um final de semana em Araranguá.

Araranguá é um município do extremo sul de Santa Catarina. Região encantadora e, no século XVIII, seu mar aberto servia de referência para os viajantes e tropeiros dos mais variados destinos. Região de cultura predominantemente açoriana, Araranguá contou com a presença de imigrantes italianos e alemães, gerando uma mescla riquíssima de valores, histórias, saudades, além do trabalho incessante nas imensas reservas de carvão.

As amplas avenidas são de uma elegância ímpar. Conhecida como a Cidade das Avenidas, esse projeto urbanístico havia sido proposto ainda no século XIX, garantindo simpatia e liberdade de movimento aos passantes. Cidade linda, exuberante, esbanjando vida e simplicidade em todos os cantos.

O Morro dos Conventos é o local mais apaixonante da cidade, um mirante fabuloso, e do alto do rochedo onde se encontra uma construção interessantíssima de um hotel avista-se dunas macias e extensas e o doce encontro do rio de águas verdes com o mar. Local de uma paz invejável! Do morro dos Conventos dá pra se compreender algumas coisas do mundo. Existem duas hipóteses para esse nome: a primeira remonta à possível existência de uma comunidade jesuítica no local, e outra relacionada à formação rochosa, que, observada de longe, lembra um mosteiro.

Eu nunca tinha visto tão de perto um farol, com toda brancura, charme e imponência! 8 metros de altura, solitário e disponível para ser utilizado nas artes da navegação.

E fomos caminhando, nos deleitando com as novidades. Bem ao lado do Hospital Regional, uma funerária e dois ônibus totalmente pretos, ostentando o letreiro: “Funerária Araranguá”. Como deve ser desagradável ser internado ali! Parece que não tem muita promessa de vida com um vizinho assim não... mas foi curioso!

E em direção à zona rural, uma casa à esquerda, pequeno comércio, dos antigos. Era a MERCEARIA DO POVO. Como tudo que ostenta a palavra “do povo” me fascina, resolvemos parar o carro e conhecer o estabelecimento. O proprietário, com o seu vasto bigode, veio nos receber, sorridente. Estranhei. Por que será que veio, receptivo, olhou para nós, com aparência tão solícita, com o braço esquerdo apoiado na porta? E veio pronto para atender o que eventualmente procuraríamos. Era o seu Zezo, há quarenta anos no mesmo lugar, atendendo a mesma freguesia num local de casas esparsas e construídas com o suor de algumas tantas gerações. Conversamos animadamente. Olhei tudo, os detalhes, a simplicidade. Um saco de batatas, água mineral, uns tantos litros de álcool, algumas panelas, farinha de mandioca, sabão em pedaços, bolachas feitas na região, Pureza, que é um refrigerante popular e poucas outras coisas. Muito interessante! Conversador, o seu Zezo me aproximava amavelmente do passado, longe dos computadores, das tecnologias, das desconfianças e outras formas de malícias. Ele me disse que ainda vendia e anotava as compras em cadernetas. Pedi para que me mostrasse. Ele, então, pegou uma caixa de sapatos e, lá de dentro, tirou algumas e me mostrou as anotações: a quantidade certa de farinha, de pinga, de arroz... tudo o que foi vendido ao longo de um mês. E sempre na confiança e na amizade dos vizinhos.

Fiquei profundamente grata com a atenção e o carinho do seu Zezo. Desde quando começou a trabalhar na vendinha, há quatro décadas, as coisas não mudaram muito para ele, apesar de o mundo ter mudado como nunca na história da humanidade: acabou a Guerra Fria, a Guerra do Vietnã, a ditadura no Brasil, aconteceu toda a turbulência dos anos 60 com a contracultura, o socialismo quebrou, a União Soviética foi pro bebeleu, novos valores, avanços em todas as esferas do conhecimento, novos padrões, novos modelos de família foram construídos. Veio o terrorismo alucinante... outras guerras... Século XXI em cena e o seu Zezo – felizmente - ainda acredita que vale a pena sonhar ... na confiança e no nome da sua mercearia – DO POVO – mostrando que, ali, existe espaço para todos.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 21/09/2010
Reeditado em 25/09/2010
Código do texto: T2511509