RUI

(A PROPÓSITO DO DIA MUNDIAL DA PESSOAL PORTADORA DE ALZHEIMER)

Bem em frente ao segundo portão do parque ecológico da Pampulha há uma casa que foi transformada em centro de acolhimento de idosos e doentes cujas famílias internam seus parentes por razões que cada qual deve ter a sua. Lá está o meu grande amigo Rui Dias. Eu sempre paro com a bicicleta para um descanso à entrada do parque. De vez em quando vou lá fazer-lhe uma visita.

Conheci o Rui quando fui trabalhar na cidade de Mariana, há mais ou menos uns vinte e cinco anos. Daquelas pessoas por quem a gente se encanta logo numa primeira conversa. Alegre, zeloso, responsável e, sobretudo, muito solidário. Viramos sindicalistas juntos, convivemos por muitos anos na empresa até a sua aposentadoria. Mas continuamos a amizade, mesmo porque ele morava a três casas da sede do sindicato e estávamos lá todos os dias. Viajamos muito juntos, festejamos muita coisa juntos, estivemos em muitas lutas sindicais e da comunidade juntos. Um grande homem. Eu nutria por ele o respeito de um pai. Na época eu tinha 22 anos e ele já se aproximava dos 40. Depois virou uma espécie de irmão mais velho. Ele tinha um cuidado de pai com os rapazes mais jovens e tinha filhos pouco mais novos que eu.

Ele tem Alzheimer . Quando eu soube, já havia me aposentado também e me mudado para Belo Horizonte. Passava todos os dias na porta do seu novo “lar” e só vim a saber no ano passado que ele estava naquelas condições. No dia em que resolvi fazer-lhe a primeira visita foi um choque que até hoje não consigo encontrar palavras que expliquem. E preciso encontrar? Não sei. Entrei temeroso do que veria. A sua esposa havia me alertado de que ele provavelmente não me reconheceria e o seu estado era desolador. Quando entrei numa grande sala, com vários idosos em cadeiras de rodas, em camas no quartos e ele sentado em um sofá, amarrado por lençóis já impliquei com a enfermeira do motivo daquele mau trato. Ela me disse que era a forma, às vezes necessária de alimentá-lo sem que quebrasse os utensílios ou quando ficava agressivo com as pessoas. Era melhor do que entupir-lhe de sedativos. Senão também à noite teria que dar mais sedativos para garantir o seu sono e o dos demais. Uma forma de não conduzir o tratamento apenas com remédios que apenas aliviam os trabalhos das pessoas e menos a situação do paciente.

Conversei com a enfermeira chefe do lar, recebi as explicações da evolução do problema, das poucas esperanças de progresso e sai o mais rápido que pude. Voltei à pracinha da entrada do parque e ali recebi a emergência do choro incontido. Tive que ser amparado pelo porteiro do parque que me imaginou estar sofrendo algum mal súbito. Era um desabafo de quem mesmo presenciando tal cena se recusava a crer que tão repentinamente as faculdades possam se esvair em uma insanidade incontrolada, incurável e progressiva. Nem tanto a caminho da morte, mas a caminho de um aumento do descontrole e da vida vegetativa.

No dia de seu aniversário em agosto, gravei uma música que ele sempre pedia para que eu tocasse ao violão quando estávamos em alguma festa ou rodas de bar, O CUITELINO, com Pena Branca e Xavantinho. Era a sua música predileta, sempre nessas ocasiões tinha que cantar no início e no encerramento da festa. Normalmente o dia 22 de agosto era comemorado em sua casa. Tínhamos 5 amigos que faziam aniversário nesse dia e ele fazia enorme questão que fosse comemorado em sua casa. Com muito churrasco, violão e amigos. Era o seu evento mais importante do ano.

Eu fiquei pensando em como classificar esse texto para publicação. É uma homenagem? Uma carta? Uma mensagem de alento ou de lamento? Ontem, dia 21 foi o dia mundial que a medicina – apenas - e os parentes de pessoas portadoras se voltam para uma reflexão mais profunda sobre o Mal de Alzheimer. Classifico então este texto como um alerta (já que meu desabafo foi feito) para os cuidados e prevenções necessários para que tenhamos uma velhice somente com os problemas naturais e sociais dela decorrentes no nosso mundo. Sem mais esse sofrimento.

Indico a leitura do blog da Maria (Divagar Sobre Tudo Um Pouco) tratando do assunto, com explicações das origens, sintomas e dicas de prevenção

O LINK: http://algarve-saibamais.blogspot.com/2010/09/dia-mundial-da-pessoa-com-doenca-de.html

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 22/09/2010
Código do texto: T2512958
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