PASSADO EXTRAVIADO.

Os anos já haviam passado e sem dó nem piedade levado quase tudo, deixando pequenas marcas na memória desbotada e muitas rugas espalhadas pela alma.

Voltar aquele local onde havia sido tão feliz veio de uma forma repentina e assustadora, mas o momento não era para ser de fuga/nem de recordações que inevitavelmente surgiram, nos minutos em que mergulhou no passado e quase o reviveu com a mesma intensidade.

A alegria do encontro/da conquista realizada, do sabor de ter o que se queria ter,ou pensava que tinha: um amor.

As doces lembranças dos abraços/ beijos, os sorrisos/os amigos compartilhados, as ansiedades/insanidades, as serenatas/flores,os amores confessados/sussurados/cantados/calados/gritados/sorridos chorados/feitos/refeitos/desfeitos.

Tudo. Absolutamente tudo se refez em sua memória.

Tudo voltou a jorrar em um turbilhão de emoções que a sufocavam e faziam o peito doer de tanto tentar conter o coração que cavalgava em ritmo disparado, indo em direção ao passado. Em uma espécie de desfazimento/desconstituição de si mesma e de suas doloridas cicatrizes.

Mas a vida segue, as dores nascem e as lembranças quase sempre viram apenas um envelope guardado em alguma gaveta da escrivaninha da alma, esperando quem sabe um dia, uma brecha para voltar.

Voltaram as lágrimas e as decepções de quem queria muito ter pouco, de quem se doou inteira e de tanto se doar/se doeu/se fragmentou em milhares de cacos e se desfez em poeira cósmica...

... uma espécie de cremação em vida, percebeu a alma se incinerando e se espalhando ao vento/nas marolas do mar/ nas estrelas.

Sentiu a face úmida e a boca seca, sentiu novamente cada um dos poucos sonhos irem se desfazendo/acordando.

Tudo voltou a sacudir uma vida que se compactou em duas décadas e virou uma espécie de esconde-esconde do passado, em meio ao presente que não conhece nem imagina o futuro.

Silente levantou do banco, olhou novamente o ambiente e aos poucos foi deixando desmaterializada a saudade...

... caminhou rumo a saída e seguiu em frente como tinha que ser.

Deixou a porta entreaberta e a gaveta bem fechada,para que o envelope de seu passado, não mais se extraviasse e se postasse perdido em seu presente...

... sem selo, nem laço de fita, apenas amarelado/desbotado pelo tempo.

Postado pela lembrança, por um passado extraviado.

Márcia Barcelos.

Márcia Barcelos
Enviado por Márcia Barcelos em 23/09/2010
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