NA FILA DO SUPERMERCADO

Conheci dona Celina na fila do supermercado. A fila estava grande e ela puxou conversa. Sempre dou a maior atenção às pessoas idosas, pelas quais tenho o maior respeito. Respeito esse devido ao fato de terem atravessado uma vida inteira com alegrias, tristeza, decepções, amores, relações feitas e desfeitas muitas vezes e, principalmente, por terem conseguido chegar inteiras, cheias de vida à maturidade e por terem freqüentado a escola da vida, melhor do que qualquer universidade do mundo.

Ela estava doida para contar a alguém que estava aprendendo a escrever no computador, aos 86 anos. Disse-me que estava escrevendo as suas memórias, mas que fazê-lo a mão era muito trabalhoso, então decidiu comprar um computador. Primeiro me contou que o sujeito da loja onde ela foi fazer a compra, não lhe deu a menor bola, achando-a, talvez, esclerosada quando ela lhe disse que era para ela mesma a maquininha maravilhosa, como ela a chamava. Como ele lhe tinha dado pouca atenção, ela chamou o gerente e lhe disse que queria dar a comissão para aquele garoto que lhe havia atendido, mas como ele não havia acreditado nela, ela preferiu falar com o gerente diretamente. O sujeitinho ficou com cara de babaca (palavras dela) e ainda levou um serão do gerente.

Encurtando a conversa, me disse ela, eu comprei o bichinho e fui pra casa. Chamei o filho de uma vizinha que tem 17 anos e ele botou a máquina para funcionar. Para mim, até àquele momento, era o mesmo que ter que falar grego ou alemão.

Perguntei ao menino se ele podia me dar umas aulas. Ele sorriu, mas concordou quando eu lhe disse que lhe pagava bem. Nessa idade o dinheiro faz muita diferença. Um menino não sai com uma garota se não tiver pelo menos pro cinema, se bem que agora - lhe disse eu - as coisas são diferentes. As mulheres até dividem contas nos restaurantes, embora nunca tenham deixado de gostar de homens cavalheiros e gentis, por mais que sejam modernas.

Dona Celina continuou. Na primeira aula o meu jovem vizinho mudou de opinião a respeito de gente idosa. Eu aprendi tudo com a maior facilidade, diferentemente, segundo ele, das alunas adolescentes. Parecia até que eu já era íntima daquele brinquedo. Agora já sei fazer muitas coisas. Fiquei maravilhada quando soube que a gente podia recortar um pedaço e colar em outra parte do texto. Isso me facilitou porque eu tive muitos namorados e, de repente, botava o 17º no lugar do 8º e logo podia colocá-los nos devidos lugares.

O pior está sendo o conteúdo do livro de memórias. Eu pretendo editar ainda em vida e acho que vou horrorizar a galera . Eu sempre estive à frente das moças do meu tempo e vou contar tudo para que elas vejam o quanto perderam em matéria de amor.

Eu achava muito interessante as palavras que ela usava, mas ela me disse que tinha que acompanhar a linguagem dos netos ou não ia mais poder conversar com eles, coisa que ela muito prezava porque podia ensinar-lhes muitas coisas, mas aprendia também com eles.

Eu nunca daria mais de 70 anos para aquela mulher de corpo bem cuidado, cabelos bem penteados, muito limpa e cheirosa. O seu sorriso iluminava o rosto que, embora com rugas, era suave e transmitia paz.

Paz, sim, é a palavra. Ela transmitia o seu interior. Ela se recusou a envelhecer e estava atuante, escrevendo.

Disse-me que gostava muito de ler, mas detestava romances do tipo água-com-açúcar. Preferia os picantes, como tinha sido a sua vida.

Só a censura da família a preocupava. Ela achava que, na hora de publicar, iam querer cortar o seu barato por causa das cenas picantes.

Tranqüilizei-a. A senhora, na idade em que está, não tem mais que dar satisfação de seus atos a ninguém. Vá em frente e muito sucesso!

Quero envelhecer assim, com essa luz, esse entusiasmo pela vida. Espero que a nossa conversa, que estava sendo ouvida por outras senhoras muito mais jovens que também esperavam a vez na fila, com umas caras de enterro, tenha ajudado a fazer-lhes pensar que só é velho quem quer, quem deixa a velhice se instalar.

Estou tentando não deixar um lugar vago na minha vida para que a tal velhice não venha se acomodar perto de mim. Quero ser uma velhinha prafrentex, como se intitulava dona Celina.

edina bravo
Enviado por edina bravo em 24/09/2010
Reeditado em 26/09/2014
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