ENTRE SAUDADES E NOSTALGIAS

Esta semana, eu estava no trabalho e, em dado momento – daqueles em que a pausa para uma ou outra coisa se faz necessária – eu me vi flutuando em meus pensamentos. Neles, eu me lembrei de uma passagem em que uma amiga minha me dizia que, quando estava com saudade daqueles que amava – e se fosse possível –, corria ao encontro de seus afetos e fazia cessar esse sentimento imediatamente. Porém, quando estava nostálgica, fazia de tudo para não encontrar aqueles dos quais ela sentia saudade, pois se isso ocorresse, ao reencontrá-los, esse sentimento só fazia se alimentar desses encontros, causando um aumento nessa saudade, deixando-a mais nostálgica ainda.

Como são misteriosos os caminhos da emoção, refleti. E como nos confundem. Às vezes, pensamos que estamos “sofrendo” de determinados sentimentos, mas, quando procuramos entender seus princípios, percebemos que, na verdade, o que estamos sentindo são emoções decorrentes de um momento específico – casual ou pontual –, o qual se manifesta através daquilo que o nosso corpo entende como sendo necessário para a sua existência.

Entendi, em parte, o que queria dizer essa minha amiga. No seu pensar, não adiantava muito se encontrar com um amigo de infância, por exemplo, e matar a saudade dos tempos que brincavam ou andavam juntos. Se essa saudade fosse nostálgica, o encontro apenas seria motivo para se compreender que aquilo que haviam vivido jamais poderia ser revivido nos tempos atuais.

Porém, se esse encontro fosse apenas para matar a saudade do amigo – que o tempo tratou de separar –, sem se importar com os detalhes irreais e frequentemente criados na imaginação como sendo os ideais para as lembranças, a tendência era a de se cessar a saudade e aquele encontro se tornar um agradável momento de afeição.

De repente, eu passei a ver, nitidamente, essa diferença, a partir dos meus recortes de saudade e nostalgia...

Sentado, de frente para o computador – e o monitor fazendo as vezes de tela do filme das minhas lembranças –, eu me vi na casa de alpendre da minha infância. As redes armadas na única sala, meus irmãos e eu, todos deitados, descansávamos da labuta diária de uma rotina marcada pela realidade daqueles tempos. A minha tia Alice cantava, em seu quarto, velhas canções das divas do rádio. A sua voz melodiosa, embalada pelo silêncio da noite de um interior sem luz elétrica – onde o anoitecer significava uma dormida junto com as aves empoleiradas no pé de cajarana –, ressoava pelos quatros cantos daquele casebre feito de taipa. A meia luz do lampião iluminava apenas os pontos que nós, meninos, acostumados com a falta de claridade noturna, fantasiávamos como sendo vultos dos heróis ou vilões da nossa história. O meu tio, para tirar um pouco do silêncio e anunciar que também estava gostando de ouvir aquele cantar, pigarreava entre uma e outra canção, como se fosse o aplauso merecido por ouvir tão singela serenata. Até os mais novos silenciavam e não choravam naqueles sagrados momentos.

Assim, todas as vezes que volto à casa da fazenda e olho para o local onde ficava a casinha de taipa – e não a vejo mais –, o meu pensar dá início às minhas recordações: aí eu fico nostálgico e, por mais que eu tente mudar o sentido das lembranças, o peito aperta e aumenta a saudade que eu sinto daqueles tempos que não voltarão jamais.

Contudo, a mesma cena se abre – e eu me esqueço do lado primeiro das minhas lembranças – e me vejo abraçando um amigo de infância que até hoje vive por aquelas bandas. O meu coração se alegra nesse instante, faz festa e dá um abraço apertado, matando a saudade dos longos tempos sem a convivência diária, necessária para se estreitar, ainda mais, uma amizade. Neste caso, a saudade cessa e o prazer toma conta daquele momento e o que se escuta são generosos elogios – tanto do lado de cá, como do lado de lá.

Desvio-me, então, da tela fantasiosa dos meus pensamentos, mas não deixo de lado minhas saudades e suas nostalgias. Neste momento, eu me dou o direito de pensar nos meus devaneios, relembrando passagens poéticas em que me faço cais de um porto seguro, me torno raio de luz, e recebo, em forma de poesia, a mais pura declaração de amor. São saudades cessadas todas as vezes em que eu olho o passado e me dou conta da felicidade que alcancei nos breves e bons momentos vividos. E me sinto nostálgico, excepcionalmente, por saber que, mesmo podendo alcançar, de novo, a mesma realidade, o meu imaginário não poderá se concretizar.

 


Obs. Imagem da internet


Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 26/09/2010
Reeditado em 07/12/2011
Código do texto: T2521266
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