Vinte

Desde os 10 anos de idade, o que Laura mais queria da vida era morar sozinha.

Teceu milhares de planos, fez calculos, recortou anuncios de lojas de móveis, colecionou cartões de visita de imobiliárias. Imaginou centenas de vezes a primeira noite sob um teto só seu.

Agora, enquanto encaixotava os últimos pertences para realizar a tão sonhada mudança, repassava pela última vez os planos tantas vezes formulados em sua mente. Estava deixando a casa dos pais, se livrando dos dias de dependência.

Deu adeus às velhas cortinas empoeiradas e às estantes mal organizadas. A partir de agora, haveria ordem.

A mãe chorava silenciosamente em um canto. O pai parecia triste.

Laura estava radiante com a mudança e não entendia a emoção dos pais. Estava se mudando para perto, ainda se veriam muito.

No trajeto até sua nova casa, repassou as coisas que desejava fazer quando chegasse. Sorria consigo mesma, mergulhada em satisfação. Levava um bom vinho, e pediria uma pizza para celebrar a primeira noite de liberdade.

Teve de adiar a celebração. Levou um dia inteiro para arrumar todas as coisas em seus devidos lugares e, quando finalmente conseguiu, sentia-se tão exausta que foi direto para cama e dormiu pesadamente.

Acordou sentindo-se extremamente feliz. Tomou um café da manhã caprichado, com todas as coisas de que mais gostava, e saiu para enfrentar o primeiro dia como adulta independente.

Enfrentou sorrindo um dia de trabalho estressante. O transito lento. A fila quilométrica na hora do almoço e a chuva no caminho de volta pra casa.

Encontrou a bagunça que deixara pela manhã: toalhas para estender, a louça do magnífico café para lavar, o chão por varrer, o lixo para por na lixeira. Decidiu que jantaria antes de por as coisas em ordem, mas então se lembrou de que ainda teria de preparar o jantar.

O sorriso de Laura desbotou um pouco. Isto não havia aparecido em nenhum dos seus planos tão bem detalhados.

Tomou um banho demorado antes de começar. Colocou o jantar para cozinhar e ajeitou tudo enquanto ele ficava pronto. Comeu e foi dormir, exausta.

Apesar dos imprevistos, acordou com a mesma empolgação do dia anterior. Já sabia o que lhe esperava em casa quando retornasse, então seria mais fácil.

Foi a mesma rotina de sempre. Mil coisas pra fazer e tantas outras na cabeça, que foi difícil se concentrar. Enfrentou o mesmo transito lento e, ao chegar em casa, preparada para os novos afazeres, viu-se forçada a lidar com mais uma sensação que seus planos não haviam previsto:

A casa, que no dia anterior parecera tão confortável, com a qual sempre sonhara, subitamente lhe pareceu estranha. Vazia e solitária.

Sentiu falta dos cheiros da cozinha da mãe e das músicas do pai. Sentiu saudade da bagunça que faziam seus sobrinhos e das risadas altas da irmã.

Procurou sacudir de si mesma esse pensamento, e se entregou à sua nova rotina. Leu um bom livro antes de ir pra cama, decidida a não deixar nada estragar a nova experiência.

Com o passar dos dias, porém, Laura via-se obrigada a ignorar esses sentimentos indesejados, que cismavam em turvar sua felicidade. Um dia sentiu saudade até mesmo da comida da mãe, cujo sabor não conseguia encontrar na própria comida por mais que se esforçasse.

Decidiu que faria uma visita aos pais naquele fim de semana. A partir daquele momento, os dias passaram a se arrastar cada vez mais lentamente.

Não tiveram opção, porém, a não ser passar, e o fim de semana um dia chegou.

Laura experimentou uma alegria que até o momento era desconhecida no caminho de volta à casa dos pais. Uma sensação de familiaridade. Cada curva causava um burburinho em seu coração.

Subiu os degraus da antiga casa com lágrimas nos olhos, ouvindo as vozes familiares que escapavam pelas frestas. Abriu a porta com cuidado e parou alguns momentos para assistir àquela cena, nunca antes apreciada devidamente.

A mãe, na cozinha apertada, com o avental já gasto, produzia cheiros que traziam boas lembranças. O pai, no quintal, sentado ao sol com seu violão, tocando as mesmas velhas músicas de sempre, enquanto sua irmã, ajeitando os cabelos no espelho do banheiro, ajudava-o, cantando.

Os três, ao notarem Laura parada na entrada, largaram seus afazeres e foram correndo abraçá-la. Laura apertou os três de uma só vez e deixou que as lágrimas caissem.

Finalmente havia chegado em casa.

Naira Cirino
Enviado por Naira Cirino em 30/09/2010
Código do texto: T2530292
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