Um fantasma no espelho

Fui a uma agência de turismo comprar uma passagem internacional. Ao chegar, ambiente todo decorado com mapas, fotos espalhadas pelas paredes e as atendentes uniformizadas e amáveis, mostrando as melhores opções de vôos e de hospedagens aos clientes. Proximidade do final do ano, agência lotada. Tive que esperar um pouquinho para ser atendida. Sento-me e começo a folhear uma revista dessas de personalidades inúteis da cidade. Dez minutinhos depois, a atendente me chama e sento-me em uma mesa confortável. Ainda com o olhar vagando pela sala, fui dando os detalhes da viagem e ela digitando no sistema.

Na mesinha ao lado da minha, um casal de idosos reservando segunda a lua de mel em Noronha. Do lado esquerdo um menino insistindo em embarcar em um cruzeiro universitário, tudo lotado nesta época do ano. E no espelho, bem acima de minha cabeça, vejo conversar com a atendente da mesa que estava atrás de mim um senhor de meia idade gesticulando muito, segurando um folder em que se podia ler: “viaje pelos destinos mais inesquecíveis do Brasil”.

Atraída pelo colorido do folder, olhei para trás quase que instintivamente e cadê o senhor de meia idade? Nada! Olhei de volta para o espelho e lá estava ele, gesticulando mais do que antes e segurando agora uma propaganda de Bonito escrito em letras bem grandes.

Apertei os olhos para ver se o homem sumia do espelho e quando abri lá estava ele, desta vez com um cartaz enorme de Fortaleza. Mas ao olhar para trás, na sala conversando com a atendente, não havia ninguém. Subiu um arrepio pela minha espinha dorsal. Estava vendo um fantasma de carne e osso ali no espelho bem na minha frente. Fechei os olhos e contei até dez. Lá estava ele em pé, de costas para mim. De repente ele virou-se e deu um sorriso. Em suas mãos novamente o cartaz “viaje pelo Brasil” em letras maiúsculas. Era como um sinal para mim, não faça uma viagem internacional, conheça o Brasil antes! E aquilo me deixou aterrorizada.

Desta vez, foram as minhas pernas que começaram a tremer. A atendente continuava me passando valores, detalhes de alojamento, pontos turísticos interessantes para visitar, dicas de roupas para levar na mala. De repente, me pergunta se eu já havia escolhido o destino para onde eu ia e a melhor data de embarque e retorno. Eu não sabia mais nem onde eu estava!

- Você está vendo aquele homem? Perguntei com voz rouca, apontando o dedo trepidante.

- Estou – respondeu a atendente voltando seu olhar para a tela do computador, sem nenhum interesse pela imagem no espelho – quando mesmo está previsto o seu embarque?

Meu sangue gelou e ferveu ao mesmo tempo. Fechei os olhos. Eu me recusava a ver aquele fantasma bem na minha frente. Mas ele estava plantado bem ali. A cada vez que eu abria os olhos novamente, parece que ele sorria para mim. Um sorriso sarcástico, amarelo escurecido pelo tempo, da cor da pele e do cabelo dele também, cabelo arrepiado e em chumaços que pareciam ter sido arrancados aqui e ali. É como se ele me desafiasse, abria os cartazes “visite o Brasil” como que se para exibi-los para mim. É como se ele dissesse: você não conhece nem o Brasil ainda, vai querer visitar outro lugar?

Fechei os olhos ainda mais uma vez na esperança de não avistar mais o fantasma. E mais uma vez lá ele estava. Só que desta vez a atendente estava em pé ao lado dele, apertando a sua mão. Olhei para trás. A assistente estava sentada mexendo no computador. Eu não queria estar presenciando aquela cena. Fechei os olhos e abri rapidamente. No espelho a atendente acompanhava agora o fantasma até a porta da sala. Puxou a maçaneta da porta, abriu, passou por mim, abriu a outra porta e despediu-se do cliente com mais um forte aperto de mão.

Olhei pela última vez pelo espelho. Não havia mais nenhum fantasma lá. O fantasma havia passado por mim e saído caminhando pela rua. A atendente fechou a porta da rua, sorridente porque havia fechado um bom negócio. Passou por mim e voltou para a sua sala, que ficava bem na minha frente e era toda adornada com mapas e fotos de pontos turísticos espalhadas pelas paredes. Tinha uma janela bem ampla que dava para a sala onde eu estava, toda de vidro, que mais parecia um espelho.

ps.: pior que aconteceu mesmo!!

Langeli
Enviado por Langeli em 01/10/2010
Código do texto: T2531656
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