Brasília no Eixo

BRASILIA NO EIXO

Não posso falar muito ainda sobre Brasília, afinal sou mais um dos milhares de forasteiros que por algum motivo fizeram desta cidade seu novo lar.

Mas no pouco mais de um ano que aqui estou, percebi que a alma de Brasília não está no Congresso cheio de denúncias de mensalão, malas, das sanguessugas, corrupção, dança da pizza, muito menos no Planalto onde ninguém sabe de nada, ninguém nada ver, nem tão pouco nos Ministérios, Autarquias.

A alma de Brasília fica em um lugar que poucos turistas reparam e em um dia único na semana.

A alma de Brasília está no Eixo, ou para os mais íntimos está no Eixão ao domingos.

É lá das 6 horas às 18 horas que vemos o rosto, o coração, a alma de Brasília.

Vou primeiro explicar para quem não sabe o que é o nosso Eixo, moro aqui há pouco tempo e já me atrevo a chamar o Eixo de nosso, que ousadia, mas ele aos domingos é manhoso e permite-se assim chamar.

O Eixo em outras cidades seria chamado de avenida, via expressa ou algo semelhante que liga uma cidade de um lado a outro, mas como em Brasília tudo é diferente, o eixo são as asas deste avião que apesar de nunca decolar, nunca repousa.

É no domingo que Brasília entra no Eixo, não temos a areia da praia, mas para quê se o asfalto esquenta o nosso corpo, o azul do mar é substituído pela verde da grama, que resiste mesmo na seca.

O domingo de Brasília é diferente, ele pode até se parecer igual a outras cidades nos clubes, nos parques, mas no Eixo ele é sem igual.

Você já imaginou fechar aos domingo a Via Dutra no Rio de Janeiro, a avenida Santos Dumont em Fortaleza, pois aqui uma via tão importante quanto essas é fechada. O asfalto maltratado durante toda semana pela frieza dos pneus dos carros que passam sem cumprimentar o Eixão, é trocado pelo toque macio e carinhoso dos tênis, das sandálias, dos pneus das bicicletas, dos patins.

O Eixo aos domingos é o espaço da democracia da Capital Federal, nele caminha, anda, pedala, patina ou simplesmente descansa a alma de Brasília.

O negro de pele quase azulada com seu tênis vermelho combinando com a camiseta;

O pai que ensina com paciência a filha andar de bicicleta.

A mulher com chapéu de palha, com certeza comprado na sua última viagem ao Nordeste.

As pessoas fazem questão de mostrar de onde são com as camisas dos times de seus Estados.

A mãe empurra o carrinho do bebê, ensinando desde pequeno que aquele espaço é de todos.

O homem branquelo e franzino que segura com dificuldade seu cachorro grande.

Já o rapaz sarado, ironicamente, conduz pelas coleiras dois poodles.

A adolescente passa com sua saia curta deslizando sobre os patins.

A bela balzaquiana no seu doce balanço que não encontra o mar.

No eixo a caminhada combina com negócios, consultas, pois os celulares para muita gente fazem parte do kit tênis, camiseta, calção.

O homem, que mesmo possuindo apenas uma perna, pedala feliz, nos dando conta que às vezes transformamos pequenos problemas em obstáculos intransponíveis, esquecendo que quando queremos, nossa força não tem limites.

No Eixo que os amantes se beijam, não se importando com quem passa.

Até os profissionais da noite: o porteiro e aquela jovem que exerce a mais antiga das profissões desfrutam do Eixo antes de retornarem às suas casas para seus merecidos descansos.

No Eixo tem espaço para as procissões sejam elas sacras ou profanas.

No Eixo sempre tem o coco, a melancia, o caldo de cana com pastel, que heresia, a gente querendo manter a forma e aquele caldo de cana com pastel, nos tentando, nos chamando, mas quem resiste aquele caldo moído na hora por aquele senhor de chapéu de cangaceiro, afinal, o tempo seco de Brasília faz aquele convite irresistível para que refresquemos a garganta, e o que melhor para isso do que esta bebida doce e geladinha? E a caloria do pastel de queijo? A gente tira na semana, afinal, no Eixo aos domingos, a gente não apenas cuida do corpo, a gente desfila, aprecia a alma, o tipo diferente das pessoas que se cruzam.

O domingo no Eixo fica mais colorido com o Sol, mas a chuva não atrapalha, em Brasília ela é sempre muita bem vinda, e não esfria o relacionamento do Eixão com seus fãs mais aficionados.

Se os homens que comandam o país andassem mais no Eixo, com certeza cometeriam menos falcatruas, menos desmandos, teriam mais consciência, que assim como o Eixão é de todos, o público não é privado.

Continue meu Eixão, assim por muito tempo, nos dando o prazer de sobre seu asfalto, vermos aos domingos as almas, os corações, os rostos e os corpos de Brasília, de todas as idades, credos, cores, lugares. Pois você é a alma e as asas de Brasília, que não levanta vôo, mas nos faz voar, sem pressa, esperando por você a cada domingo.