ROLO DE CARVOEIRO

À boca da noite, praticando minha saudável caminhada, fui alcançado por um conterrâneo que não via há meses. Enquanto atualizávamos as fofocas da cidade, ele me alfinetou: "- Não sei se você é um inocente mal-esclarecido, ou um idiota bem-intencionado!" Como todo babaca que se mete a sabido, fiquei na dúvida: aquilo fora crítica ou elogio? Mas o fulano não se fez de rogado: "- Ao invés de nas suas crônicas contar aventuras de gosto duvidoso, em puteiros, você serviria melhor à comunidade valorizando nossa tradições..." E lá veio blablablá. Conheço o filme.

Como eu cago e ando para este tipo de “ação social”, prefiro acreditar que a turma da Kombi (meus treze, porém, fiéis leitores) apreciará ler mais uma das estórias que só acontecem comigo - quase inverossímil, mas verdadeira -, onde lhes faço rir sem cobrar nada em troca. Até pouco tempo, eu acreditei piamente que a expressão 'rolo de carvoeiro' significava calote, ou o caso do sujeito que fazendo uma dívida foge, sem pagar ao credor. Ah, como é arriscado tomar o bonde andando... Sou tão antigo, ou antiquado? Porque há décadas os bondes estão parados. Enfim, no meio das férias - enjoado de botecos e sinucas - aceitei o convite do Liberão, caminhoneiro, para ir aos confins das Gerais buscar uma viagem de carvão. Resta-me juízo para desconfiar que meus bravos leitores, vivendo na cidade, jamais viram uma carvoeira. Seria melhor que nem ouvissem falar, mas como se faz necessário à estória, aí vai: no geral as carvoarias localizam-se num fim de mundo, oferecendo três opções: encher forno de lenha, encher caminhão de carvão, e encher os chifres de cachaça!

Caminhão carregado, rumamos para Carbonita - norte mineiro. Na boleia, de contrapeso, retornava à civilização o Geraldinho Goiano, que passara três meses sem 'molhar o pito', naqueles cafundós. Meu amigo dispensa apresentações. Em síntese: se você precisa de um cara descomprometido, e que em tudo onde se meta acabe virando lambança, sinta-se em boa companhia. Estacionados num posto de combustíveis, à entrada da cidadezinha, decidimos pernoitar; não sem antes nos informarmos das atrações noturnas. O frentista falou num Desfile da Garota Primavera, na praça central. Lá fomos nós. No atraso, o galã do cerrado lambia os beiços de expectativa. Para decepção nossa o tal desfile era de garotas, mas só até dez anos e em trajes típicos! Como quem sai à chuva... bancamos firmes. Logo, o Goiano engraçou-se com uma donzela na plateia, que diferenciava da Gisele Bündchen não só por ser morena e baixota, mas sobretudo pela pilha de pneus que lhe rodeavam o corpito!

Despistado, chegando por trás, o carvoeiro carente passou um braço nas ancas da moça, que nem se mexeu! Animado, enlaçou o outro, abarcando o corpão todo! Ela continuou quietinha. Com as biritas tinindo nos miolos, o sertanejo cochichou-lhe ao ouvido: "- Benzinho, vamos?..." E a mulher fazendo-se de desentendida: "- Fazer o quê?" Dando uma fungada no cangote da fofinha, o Gê falou de toda altura: "- Furunfar, bem!" Igual uma potranca selvagem ela soltou-lhe os cotovelos no peito, com tamanha força, que Goiano caiu de costas na calçada e lá ficou, que nem um cágado agitando as pernas e os braços, sem conseguir levantar-se. "- Vou chamar o meu marido, seu tarado!" Ameaçou a ofendida, desaparecendo no meio do povo. Se ela chamou e ele veio, não sei; porque o Liberão e eu agarramos o don juan de araque pelos sovacos, fugindo desembestados, até o posto. E duvido que mesmo carro de Fórmula-Um ultrapassasse o caminhão, pela rodovia.

***Crônica dedicada a Vera Lúcia Oliveira - humorista do Recanto.

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 04/10/2010
Reeditado em 25/11/2011
Código do texto: T2536302