Velhas Botas

Era domingo, dia de missa. Todos iam para a igreja, até mesmo os pobres, negros e mestiços, pois a benção do senhor não via diferença econômica ou de raça, dizia o padre. Se bem que olhava para os caboclos e cafuzos com certa duvida organizada.

Dentre as pobretonas, uma em especial chamava a atenção. Diziam se tratar de uma mendiga, outros a chamavam de cigana, mas o fato era que, simplesmente, não tinha dinheiro, o bem da verdade é que nem sapatos calçava. Andava por aí de pés descalços, muitos cochichavam sobre o fato todo domingo. Os ricos, por sua vez, cochichavam a semana inteira. Não apenas cochichavam. Faziam-lhe comentários maldosos e até pragas e mal-olhado lhe lançavam. A menina nem fazia ideia de tudo que lhe acusavam. Certa vez, chamaram-na de puta por ter se abaixado para juntar as moedas de um velho aposentado. Não importava o quê, os pés e coração calejados da moça resistiam a tudo. Nesse domingo não era diferente, vinham os burgueses com suas sombrinhas e sapatos aveludados e, ela saltitando por entre as pedras duras fervorosas do sol impiedoso de domingo. O padre via tudo ao longe, batinado e bebericando o seu copo de água benta. Vendo tudo aquilo pensava e de tanto pensar decidira ajudar. Colocou, então, suas botas na porta da igreja, com uma placa feita à mão e carvão que dizia: doa-se.

Apesar de velhas e surradas, as botas tinham uma sola grossa, o couro já estava duro devido a rotina sol, água e sabão, os cadarços eram um maior que o outro, também duros pelo esterco animal impregnado nos fios finos, e a sola não era nada confortável, até aí nem um problema, pensara a moça que se sentou na porta da igreja e calçara as botas. Os burgueses, ex-burgueses e pseudo-burgueses olhavam-nas com olhos graúdos e oblíquos, também resmungavam coisas indistinguíveis em sussurros bitolados pela angústia da compaixão. Por fim, pensou a moça, que não era mendiga, tampouco cigana, mas apenas pobre, - tenho tantos lugares para conhecer, - e, após uma leve olhadela para dentro da igreja seguiu seu caminho, agora, para o outro lado.

Na sua corrida desenfreado pensava em todos os lugares e novas oportunidades que teria, um mundo completamente novo e de fácil acesso, já que seus pés não doeriam mais, podendo assim percorrer e correr, e calçando botas era o que faria e fez. Conhecera várias cidades vizinhas, até países próximos visitara - meio caminho de trem e o resto do trajeto a pé mesmo -, dizia, e era isso que gostava.

Os ricos voltaram a falar dela, agora porque andava por aí o dia todo e não ia mais a igreja, mas nada falavam do padre descalço.

Moral da história: A caixinha vazia é a que mais faz barulho e/ou precisamos de muito pouco para poder realizar muito!

Alex Sandro M Spindler
Enviado por Alex Sandro M Spindler em 04/10/2010
Reeditado em 04/10/2010
Código do texto: T2537502
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