A voz

Um colega de trabalho, que prestava serviço em outra unidade da empresa, era o personagem principal das fantasias eróticas das mulheres do escritório. Nosso contato com esse homem era pelo telefone. Nenhuma de nós o conhecia pessoalmente, o que dava margem a todo o tipo de especulações a respeito de sua aparência física. O motivo de tanto interesse era sua voz: bela, aveludada, forte e, ao mesmo tempo, muito doce. Parecia um galã de radionovela. (Tudo bem, sou do tempo da radionovela, confesso, mas juro que peguei já no finalzinho).

Alguém com uma voz daquelas só poderia ter um rosto encantador, um belo corpo bronzeado, muito charme, elegância e aquele romantismo que toda mulher sonha encontrar um dia. Os olhos verdes acabaram eliminados. Era perfeição demais.

É de se imaginar o alvoroço que causou a notícia de que Dirceu, este era o seu nome, seria transferido para a nossa unidade. As mulheres ficaram em polvorosa e os “guris” numa ciumeira só, como sempre. Por mais que subestimem as colegas e façam piadas sobre sua beleza e inteligência, quase todos os homens sentem ciúmes de suas companheiras de trabalho.

—“Ninguém tem que atirar pedra nas minhas pombas”, dizia o mais brincalhão.

A chegada de Dirceu foi precedida de muitas expectativas, comentários, fantasias e risos. No grande dia, a decepção: o “galã” era grande, gordo, careca, com o rosto marcado e todo desajeitado, pelo que logo recebeu o apelido de Tropeço.

Foi como se tivéssemos montado um quebra-cabeças de 2000 peças, com todo o cuidado, e ele se desmanchasse completamente, um choque, um balde de água fria nas nossas pretensões românticas. À decepção feminina juntou-se o alívio masculino, pois os “meninos” se sentiram livres da concorrência.

O destino, nem sempre previsível, fez com que Dirceu fisgasse a bonitona da firma. Aquela mesma, que frequentava todas as fantasias viris, da portaria à sala do diretor. Formaram um casal do tipo a bela e a fera e acabaram por ficar juntos, até onde eu sei, para sempre. Os comentários foram os mais variados. Os maldosos apelaram para piadas antigas, como a do travesseiro na cara e a luz apagada. Os mais ofendidos seguiram o estilo das uvas verdes. “É antipática”, disse um. “Tem as pernas finas”, completou o outro. Alguém já duvidava da beleza debaixo de toda aquela maquiagem. O bom gosto e a inteligência da moça foram achincalhados ao máximo, até que o tema se esgotou e os homens, conformados, esqueceram o assunto.

Mas, a mulherada não esqueceu. O feio seguiu frequentando as fantasias das colegas que agora tratavam de imaginar, com riqueza de detalhes, as palavras românticas e eróticas que a fera sussurrava ao pé do ouvido da sua bela.

Com aquela voz...

(Conto publicado em: Salva-vidas Crônicas de Oficina organizado por Fabricio Carpinejar Porto Alegre;Nova Prova; 2009)

Gladis Berriel
Enviado por Gladis Berriel em 05/10/2010
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