Há Tempos

Ela se sentiu forte pela primeira vez em meses, quase como um novo sentimento tirado de um cabide .Ela sorriu ao abrir a janela. Tudo estava em perfeita ordem: carros, árvores, calçadas… Os dias começaram a terminar rápido demais, ela buscou em seus livros uma resposta para tais coisas, ela buscou. O céu estava limpo, há muito não chovia e o calor era suprimido pelo ar-condicionado.

- Bom dia, posso ajudar?

Almoço frio. O microondas mais perto estava do outro lado da rua, não iria lá, ele estava lá e iria soltar alguma piadinha de mal gosto. Todos sabiam que ele gostava dela mas ela não gostava dele, iria soltar uma piadinha de mal gosto com certeza. Estava trabalhando como balconista nesta loja de eletro-eletrônicos já há uns 10 meses ou mais, pagava a faculdade com isso, no periodo da tarde utilizava do ócio e da falta de dinheiro dos clientes para estudar um pouco. Entre uma página e outra dizia:

- Bom dia, posso ajudar?

Lá fora o mundo gritava em um desespero múlti-colorido, era impróprio dizer que as coisas estavam chegando ao fim já que estavam com tanta vida! Ninguem notaria a miséria que se arrastava lentamente nas calçadas sujas, ou ainda, ninguem notaria o pobre lixeiro em seu trabalho de varrer e varrer e varrer. Aos olhos do mundo tudo que não interessa desce pela garganta como água, ou seja, sem cor, se sabor e sem cheiro; essencial para a vida mas não para o paladar.

Ela pagou cada centavo e não teve aula hoje. Os outros alunos do curso de propaganda e marketing estão felizes por não ter aula hoje, os barzinhos irão lotar! Ela não vai aos barzinhos, ela não vai para as caloradas, ela não vai atravessar a rua para esquentar o seu almoço que desce pela garganta rasgando-a por dentro, ela não esta feliz mas ela sempre acorda no dia segunte. Sua faculdade, seu aluguel, futuro… Pensou isto no ônibus.

Pensou no futuro.

O passado já passou.

Há tempos…

Amanha diria denovo “bom dia, posso ajudar?” mas não estaria ali para ajudar, quem é que se oferece para ajudar-la? Ela não sabe, ela ainda não sabe enquanto o macarrão estantâneo gira tristemente no microondas, ela não sabe enquanto ela assiste televisão ou menos ainda quando ela decide dar uma revisão na matéria. O seu uniforme de trabalho irá dormir no cabide do guarda-roupa, e ela irá dormir em breve. Pensou em tudo que vivera e sentiu-se forte como de manha. No escuro do seu quarto seus pensamentos ainda invadem a delicadesa de seu sono quase como uma música tocada no andar de baixo. Vive uma rotina de tantas coisas que tem medo da mesma. Quando criança pensava em ser adulta, quando adulta sonha os sonhos de uma criança. Amanha vivera tudo que viveu hoje e assim vai viver para sempre, essa era sua maldição.

Adormecera.