Cinco Minutos

Desde a época de José de Alencar, as coisas mudaram... um pouco.

Quando chegou a sua vez, a atendente informou que os lugares para aquele voo esgotaram havia cinco minutos. Desolado, ele saiu da fila cabisbaixo, culpando-se por não ter chegado antes. Sentou em um banco, com olhar vagando pelo painel dos voos. Cinco minutos, lamentava-se.

Naquele instante, chamou-lhe atenção, a sua frente, uma moça que estava discutindo com seu, suposto, namorado. O tal namorado entregou dois bilhetes para a moça e, sem dizer qualquer palavra, virou-se e afastou-se. A moça, visivelmente abatida, por um momento baixou o olhar para os bilhetes em suas mãos para, em seguida, fitar o rapaz, que talvez já não mais fosse seu namorado, se afastando como se certificando que não retornaria.

Com os bilhetes na mão veio a sentar ao seu lado. Agora era ela que vagava pelo painel. Ele já não se interessava pelo painel, apesar de manter seus olhos nele. Ficaram em silêncio, cada qual no seu lamento.

Subitamente o silêncio foi interrompido: - Pois é...

O som do “pois é” flutuou pelo ar e pousou suavemente aos seus ouvidos. Sentiu algo. Uma sensação leve, agradável, perfumada. Era o motivo que procurava para visar a moça ao seu lado.

- Pois é - repetiu - só acontece o que deve acontecer.

Não entendeu nada. Nem poderia. Apenas admirou a iniciativa da moça e, com um olhar, inclinou-se em sua direção pondo-se a disposição para ouvi-la. Ela, receptiva ao gesto, contou-lhe uma breve história acerca do fato que ele havia presenciado.

De fato, o rapaz que saíra era seu namorado. Compraram os bilhetes para uma viagem juntos, como ela lhe mostrava. Justamente a viagem que ele procurava fazer. Ocorreu que, durante a espera na fila, não mais se entenderam. Por motivos banais. Na realidade, ele fora o centro do desacerto, sem saber. Apenas por ter sido alvo de um olhar despretensioso da moça. Não houve ciúmes, conforme antecipou a moça, mas serviu como motivo para acontecer o que já estava para acontecer. Tanto que nem houve muita discussão. Na real, foi mais um entendimento que um desentendimento entre ambos. Confessou, por fim, que nem sentia paixão pelo rapaz. Ela buscava, sim, um amor para ser vivido intensamente. Alguém que realmente a entendesse, revelou ela.

- Por isso, penso que só acontece o que deve acontecer - finalizou.

Sem pronunciar qualquer palavra, ele de fato a entendia. Mais do que isso, ele aceitou para si que era o acontecimento que deveria acontecer. Admirou ainda mais a moça. Nem só pela iniciativa, mas agora pela sua beleza, delicadeza e encantamento. Apaixonou-se.

- Sinceramente, não sei o que dizer - exprimiu após um breve momento de silêncio.

- Permita-me, então, fazer-lhe um convite.

- Pois não?

- Estou com esses dois bilhetes para o embarque amanhã. Aceitaria me acompanhar?

O convite o surpreendeu demais. Isso não acontece na vida real, somente em filmes ou em romances. Uma moça aparece com um par de bilhetes e, de repente, o convida para uma viagem. Não uma moça qualquer, mas muito encantadora. Não somente um bilhete, mas com companhia. Não tão de repente, mas com uma história, ainda que breve. Não apenas uma viagem, mas a que ele sonhava. Surreal. Aceitou; sem palavras. E apaixonou-se novamente.

Eufórico. Aprontou as malas. Queria supreendê-la. Saiu para comprar-lhe um presente. Voltou. Atrasado. Chamou um táxi. Demorou. Pediu que seguisse para o aeroporto; rápido. Congestionamento. Saiu do táxi. Andou algumas quadras. Pegou outro táxi. Pediu que desviasse o congestionamento. Trânsito interrompido. Saiu do táxi. Negociou uma bicicleta de um ciclista. Pedalou e pedalou. Quase no aeroporto. Furou o pneu. Andou mais uns metros. Abandonou a bicicleta. Pediu carona. Correu. Negociou uma carona. Chegou no aeroporto. Esbaforido.

Correu para o embarque. Pensava na moça; no seu encanto, delicadeza, beleza, iniciativa. Corria pelo aeroporto enquanto as últimas vinte e quatro horas lhes corriam pela lembrança: só acontece o que deve acontecer. Apaixonou-se outra vez. Chegou no portão. Apresentou-se para o embarque. O embarque estava encerrado... havia cinco minutos.