Chora na cama que é lugar quente

Da série: queimando a cara do Beto... e de outrem (como diria uma amiga minha que é advogada)

Você já deve ter se pego na situação de achar que não era tão ridículo, quando jovem, quanto os adolescentes de hoje. Ou, vamos corrigir, achava que não fazia tantas cagadas ou não gostava de tantas bizarrarias quanto os adolescentes de hoje. Eu, por exemplo, já me peguei nesta dúvida inúmeras vezes. O problema é que mensuramos sem nos preocupar com o distanciamento. Devemos lembrar que a mente que avalia é a de hoje e o que enxergamos do passado nos aparece como fotografias, congelado em momentos, porém o repertório de análise carrega vícios e conhecimento do início, meio e fim das histórias.

Bom, agora vem o que motivou um parágrafo de abertura tão, digamos, filosófico. Dia desses, saí com uma turma e o irmão de uma amiga, que ainda não chegou à maioridade, estava junto. Por motivos óbvios, preservarei a identidade da galera – ainda mais que o menino mal tem barba. Como em simulações do Fantástico, manterei seu rosto encoberto e o chamarei, pois personagem tem de ter nome, de Barney Gumble. O meu amigo Barney bebia como gente grande, só que, obviamente, sem a perícia e experiência de gente grande. Coisa que adquirirá, certamente, com o correr dos anos e das latas. Para ser sincero, ele nem parecia tão mal, porque até dava em cima de uma loirinha (precipitadamente, já que o gajo não é de Curitiba e não deu tempo de eu avisar que ele tomaria um não, de primeira, mesmo que fosse o Brad Pitt).

Voltando ao assunto, ele estava lá, todo pimbão, secando copo atrás de copo, até que, clic, desligaram a chave do disjuntor. Simplesmente apagou. Assim mesmo, de repente. As órbitas reviraram, os joelhos dobraram, a pele esbranquiçou, suou frio e ele só não foi ao chão porque conseguimos segurar. Levamos o Sr. Gumble para fora e só deu tempo de sentá-lo e sair correndo antes que baixasse nele a menina do filme Exorcista. Foi jato (não tão protuberante e esverdeado, admito) pra todo lado.

Num breve momento, o povo ficou meio indignado, pois aquilo certamente acabaria com a balada da turma. Porém, a pergunta é: quem nunca fez isso antes, ainda mais na idade do rapaz?

Respondo: eu já. E muito pior.

Corria o ano de nosso senhor de um mil novecentos e noventa e seis (é, eu tenho vontade de chorar quando leio isso também). Era janeiro, ou seja, alta temporada, e eu estava com minha família no aprazível balneário de Guaratuba. À tarde, eu recebera, via rádio (não sei se já contei isso aqui), a notícia de que havia passado no vestibular. Foram abraços, bajulações, ovos, farinha e banho de lodo regado a sanguessugas – sim, pois, na falta de lama apropriada, o mergulho foi no banhado de um terreno baldio em frente à casa da minha tia. Meu primo também passou e havia apenas uma coisa a se fazer à noite: sair e encher a cara.

Saímos eu e meu primo, que passamos no vestibular, e um amigo nosso que não passou – cada um bebeu pelo seu motivo, certamente. Minha irmã e prima acompanharam o cortejo. Paramos primeiro num barzinho chamado Deck (existe até hoje) e a meta era provar todas – eu disse TODAS – as bebidas do bar. E o fizemos, sem pestanejar. Afinal, no início da guerra os ânimos sempre estão exaltados e não se sente o peso da mochila. Saímos dali tropeçando e fizemos uma das coisas das quais eu me arrependerei eternamente: fomos até um botequinho que vendia um “veneno” chamado (jamais esquecerei este nome) Leite de Leoa. Amigo, que paulada! Lembrarei para todo o sempre do gosto daquela joça. Tomei, de virada, uma garrafinha de 500ml do maledicente e partimos rumo ao destino final: uma balada chamada El Mago.

A partir do momento em que entrei no El Mago eu via tudo como se estivesse num filme, ou num sonho. Não tenho muita noção da ordem cronológica das coisas, muito menos do tempo em que elas aconteceram. Só sei que a balada ficava na beira da praia, então, se apertasse a bexiga e a fila no banheiro fosse demasiada, o negócio era correr para as ondas. E fizemos isso inúmeras vezes. Lá pelas tantas, estou no meio do bar e meu primo aparece encharcado e chorando, “Perdi meu boné do Mickey!” Pois é, ele usava um boné com o desenho do Mickey... E eu ainda critico quem coloca adesivo de familinha no carro.

O que aconteceu? O infeliz, que estava o pudim de cachaça em pessoa, foi mijar na beira da praia e não aguentou com a rotação da Terra. Homem ao mar! Quando ele me abraçou, chorando, pingando, e sem o boné do Mickey que ele havia comprado há pouco tempo e que, pelo visto, lhe era de muita estima, estava decretada a partida. Porém – ahá, pensou que acabava aqui, né?! –, quem disse que eu partiria junto?

Minha irmã fez de tudo para me arrastar daquele bar, pois sabia que se chegasse em casa, com o meu primo naquele estado e sem a minha presença, minha mãe lhe arrancava o fígado. Mas não teve jeito. Eu simplesmente disse que não ia embora e que ela não se preocupasse, pois eu escreveria um bilhete explicando tudo para a mãe (bêbado tem cada idéia genial, não é mesmo?). Dito e feito. Peguei um guardanapo de papel, emprestei uma caneta do garçom e relatei todos os motivos pelos quais eu achava que podia, e devia, permanecer ali comemorando, mesmo que sozinho. Minha irmã deu de ombros, juntou o bilhete e pegou o rumo de casa.

E aqui vale um adendo (ou um adentro, como diria a colega de faculdade de um amigo meu) para citar Albert Einstein. Quando formulou sua Teoria da Relatividade, tenho certeza que o Sr. Einstein estava bêbado. Explico. O tempo passa de maneira diferente para as pessoas quando elas estão bêbadas. Pior, o manguaçado vai adaptando-se aos goles. Para alguém sóbrio, 24 horas são 24 horas, seja aqui, na Nova Zelândia, na Groenlândia ou na Venezuela (se bem que na Venezuela depende da aprovação do Hugo Chavez). Já para os bêbados, depende. É relativo. Para alguém que entra em coma alcoólico, 24 horas podem passar em um segundo. Portanto, a viagem no tempo, pelo menos para o futuro, está comprovada.

Descendo à terra de novo, o tempo transcorrido entre minha irmã ir embora, com o bilhete para a minha mãe em punho, e sua volta deve ter sido, calculado à base dos índices médios de resistência do ar, temperatura e pressão atmosférica, em torno de 20 minutos a meia-hora. Para mim, transcorreram poucos segundos. Quando olhei para trás, lá estava ela em pé, paradinha, de braços cruzados e batendo o pezinho bem rápido. Daí eu perguntei: “Você não vai embora?” E ela respondeu: “Já fui, já voltei e, pior, a mãe tá te esperando lá no carro”. Como diriam os membros da minha família, “Cagada da Tia Judite!” (essa eu certamente já expliquei em outro texto).

Fui bufando pro carro e tive uma discussão com a minha mãe. Queria porque queria ficar, mas ela não arredou pé e tive de ir embora. Fosse só isso, tranquilo, mas são nesses momentos que nosso organismo nos trai e meu estômago virou do avesso quando partimos. Cheguei em casa com a cabeça pendurada pra fora da janela do carro e vomitando. Bonito, né? Para ajudar, a brabeza ancorada pela bebida fez com que eu decidisse não dormir dentro de casa (ah tá, emancipou-se na cachaça!) e acabei no quartinho dos fundos, trancado – sem saber – para não fugir à noite por ventura de um sonambulismo alcoólico.

No outro dia, quando acordei, fiquei ainda umas duas horas deitado, tentando recapitular tudo o que tinha acontecido. Até hoje me faltam partes da história, mas o fundamental serviu para que eu levantasse com uma vergonha lascada.

Mas o pior vem agora. Ontem... sim, queridíssimo e imbatível leitor (pois, para ter lido tudo isso, sem desistir no meio do caminho, és um bravo), ontem mesmo, dia 14 de outubro de 2010, minha mãe falou o seguinte:

- Sabe aquele bilhete que você me escreveu no dia em que você passou no vestibular?

E eu respondi, meio vacilante, dando sequência ao diálogo:

- Ahan. O que é que tem?

- Então, eu o tenho guardado até hoje.

- É mesmo? Não lembro o que eu escrevi.

- Pois é, eu sei.

- Posso ver?

- Não.

- Por que não?

- É meu trunfo.

- Para?

- O dia em que você tiver um filho...

É, Seu Einstein, que vontade de voltar no tempo.