Angústia na Madrugada

ANGÚSTIA NA MADRUGADA

Ele estava naquele sono tranqüilo, quando de repente toca o telefone no meio da madrugada. Todo mundo sabe que uma das coisas mais inoportunas e desagradáveis é o tal telefonema noturno, na segunda metade da grande curva da madrugada. Mas quem iria telefonar? Só podia ser notícia desagradável.

Pois foi com esse pensamento que ele, assustado, se levantou da cama e correu para o telefone, que já dera três ou quatro toques. Mas foi só ele colocar a mão no fone para esse silenciar como por encanto. A essa altura o coração deflagara aquela maldita taquicardia. Já que estava de pé, aproveitou para dar uma passada no banheiro.

Terminado o xixi, taquicardia a todo o vapor, olhou inquisidoramente para a coloração do vaso. Havia algum vestígio de sangue? Era uma fobia já antiga que só perdia para o temor de ficar careca. Não, aparentemente, até a próxima ida ao banheiro, não havia com o que se preocupar com o seu aparelho urinário.

Mas já sem sono, o que fazer agora? Ah, sim! Um charuto importado. Procurou no quarto, na sala e nada. Só então lembrou que havia esquecido a caixa no apartamento da Heleninha. A Heleninha... será que .... deixa pra lá... é melhor fazer a tal vasecotomia...

Voltou para cama. Escolheu um lado, xingou mais uma vez o telefonema em falso e fechou os olhos impacientemente chamando o sono. Mas que nada... Na calada da noite, toda a sorte de barulhos chegavam até ele. Era o andar do cachorro do vizinho, os automóveis e eventuais motos longínquas (normalmente inaudíveis) pequenos ruídos de origem não identificável e os chuins dos mosquitos, malditos mosquitos.

Dengue, pensou ele! Deu um pulo, acendeu a luz. Assim não podia continuar. Lamentou profundamente ter dispensado a Teresinha aquela noite. Foi até a caixa de remédios, mas além de outras coisas, sua ex-mulher havia levado também todo o estoque de soníferos e um "Melhoral" não era o mais apropriado para a ocasião.

E os ladrões, hein? O quê? Um barulho diferente na porta dos fundos? Não, bobagem! E tome taquicardia. Já estava sem sono há alguns minutos, ou seriam horas?

Voltou para a cama, escolheu agora o outro lado para dormir, mas o seu pensamento estava no entanto muito acordado - que falta faz a Dorinha nessas horas; amanhã vou comprar um micro e vou bolar um plano para ficar rico, vou jogar na megasena, aí ninguém me segura - O quê? Cheiro de gás? Não gases! Lá vem o acesso de gases novamente e com cólicas. Meu Deus! Sim, Deus podia dar uma mãozinha; afinal tinha um crucifixo dentro da gaveta de entulhos. Mas como é mesmo a segunda parte do Pai Nosso?

E tome taquicardia; pipi de novo, sons fortuitos, ladrão na porta dos fundos, a Sandrinha aqui agora...

O cão nosso bem que podia, não. O som nosso naquele dia, também não. O pai nosso me deu bom-dia... dormiu.