No ônibus

Assim que o ônibus deixa a Ramiro e entra na Cristóvão, na segunda parada, apanha as gêmeas. Uma para casar, outra para azarar. A segunda lava quase que diariamente seu loiros cabelos e logo pela manhã já despeja no ônibus um odor característico do universo Dove. A segunda, adora sapatos bico fino e é mais silenciosa. Para um escritor não há dúvida: moram juntas, nasceram praticamente no mesmo horário, entretanto, quanta diferença. São bivitelinas, mas ambas atraentes. Cada uma com sua particularidade. Não me despertam desejos, apenas admiração. Pela regularidade, pela forma fashion de se vestirem. Provavelmente, devem pegar o ônibus por opção. Ambas descem na Mauá onde é impossível estacionar um carro sem se pagar as desagradáveis (e algumas exorbitantes) taxas aos estacionamentos particulares que predominam naquela região de Porto Alegre. A rua é movimentada, muitos veículos circulando no sentido norte sul. As gêmeas atravessam a movimentada rua e se vão.

Mas, o leitor deve estar se perguntando: porque uma é para casar e a outra é para azarar? Não existe nesta idéia um preconceito dissimulado? Tal qual aquele que diz que os homens namoram as louras e casam com as morenas? Sim, existe de fato um preconceito dissimulado uma vez que estou a julgar seus dotes para o casamento unicamente com base nas aparências. Não as conheço pessoalmente, não sei seus nomes e não sei que atividades profissionais desempenham. Da parte delas, nunca fui percebido, jamais me direcionaram um simples olhar, nem um mísero 43. De fato não tivemos nenhum contato verbal, nem bom dia, nem até logo. Mas algumas coisas pode-se perceber: a loura Dove é mais desprendida, mais comunicativa, passa um ar de liberalidade no caminhar, no jeito de ajeitar os cabelos (ainda túmidos), é mais ansiosa e não retira da bolsa o dinheiro da passagem com antecedência. Com isso expõem diariamente aos demais passageiros parte do conteúdo de sua bolsa e bloqueia o fluxo das demais pessoas na catraca do ônibus. A outra não, em seus delicados sapatos bico fino, move-se calmamente e não está muito preocupada em ajeitar os cabelos. Entra no ônibus com o dinheiro da passagem na mão e senta-se com delicadeza. Enquanto uma atrai para si a atenção a outra esconde-se parcialmente em sua timidez.

Estão colocadas as pistas, qual delas tem mais probabilidade de ser uma boa mãe para seus filhos? Será que o homem instintivamente consegue identificar a melhor espécie para cuidar da prole? E, por outro lado, consegue ele identificar aquela mulher que lhe daria mais prazer e diversão? Não, isso tudo é preconceito leitor. A base da escolha utilizada pelos homens leva sempre em consideração a forma como a mulher vai se portar quando estiver com ele diante de outros homens. Pronto, agora chegamos ao machismo absoluto ao ápice do preconceito. É melhor casar com as duas e encerrar por aqui esta discussão. A escolha de uma delas sempre trará consigo o fantasma da outra, relaxe leitor, geralmente este trabalho não compete aos homens.

Sérgio Peixoto Mendes
Enviado por Sérgio Peixoto Mendes em 06/10/2006
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