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“Garoto de aluguel”
 
“Baby !
Dê-me seu dinheiro que eu quero viver
Dê-me seu relógio que eu quero saber
Quanto tempo falta para lhe esquecer
Quanto vale um homem para amar você
Minha profissão é suja e vulgar
Quero pagamento para me deitar
Junto com você estrangular meu riso
Dê-me seu amor que dele não preciso
Baby !
Nossa relação acaba-se assim
Como um caramelo que chegasse ao fim
Na boca vermelha de uma dama louca
Pague meu dinheiro e vista sua roupa
Deixe a porta aberta quando for saindo
Você vai chorando e eu fico sorrindo
Conte pras amigas que tudo foi mal
Nada me preocupa de um marginal

                                           Zé Ramalho


Esta canção faz parte do CD, A peleja do diabo contra o dono do céu de 1969, na época da ditadura, onde os militares perseguiam os comunistas, desviando da atenção dos hippies.

A referente canção apresenta polêmica em vários aspectos, pois com base na autobiografia do autor, percebe-se que em sua profissão de garoto de aluguel, ele descreve uma situação aparentemente vivenciada no exercício de sua função, quando a exercia. Assim,nota-se que estamos diante de um poeta corajoso, de muito talento literário, haja vista a cadencia dos versos, a musicalidade, entonação, sintonia e metáforas belamente construídas.

Esta canção me lembra uma aula que dei certa vez no Nono Ano do Ensino Fundamental, sobre Marginalização, em que focalizava questões sociais como o oficio de garota e garoto de programa, refletindo sobre a angustia que permeia esta realidade.
O autor descreve nitidamente como é ser garoto de aluguel, basta que se observe suas colocações;


“Baby !
Dê-me seu dinheiro que eu quero viver
Dê-me seu relógio que eu quero saber
Quanto tempo falta para lhe esquecer

Quanto vale um homem para amar você”


Subtende-se que ele era garoto de aluguel por necessidade, o exercício da função era pago e sem apego nenhum, já que era pago para fazer a parceira se sentir “amada”.

“Minha profissão é suja e vulgar
Quero pagamento para me deitar

Junto com você estrangular meu riso
Dê-me seu amor que dele não preciso


O autor considera a profissão de garoto de aluguel ” suja e vulgar”, provavelmente, pelos valores que acreditava, mas precisava sobreviver, porque em seu êxodo do Nordeste ao Rio de Janeiro, não havia tido sucesso e passava fome como muitos outros que tentaram a sorte na “cidade grande”.Então, ele não precisava de amor, mas de garantir sua sobrevivência.

“Nossa relação acaba-se assim
Como um caramelo que chegasse ao fim
Na boca vermelha de uma dama louca

Pague meu dinheiro e vista sua roupa”

Geralmente, o que “é bom”, ou que” nos faz bem”, dura pouco, ou muito rápido, sem que se sinta o tempo passar, como um caramelo saboroso que se degusta saborosamente.Nesta metáfora, o autor transpõe a idéia de gozo e pagamento, meramente profissional. Após a relação, ele exige que seja pago e que a garota desocupe o espaço.

Deixe a porta aberta quando for saindo
Você vai chorando e eu fico sorrindo
Conte pras amigas que tudo foi mal
Nada me preocupa de um marginal”


É angustiante, mas a porta aberta, denota a expectativa do autor em atender outra cliente, para aumentar seu lucro, com uma indiferença nas palavras, deixando claro que a relação era apenas um exercício sem sentimentalismos, sem compromisso, causando a sensação- depois de tudo –de ser suja, de culpa; de arrependimento a garota, por não impressionar, por pagar pra se satisfazer sexualmente.

Diante do exposto, percebe-se que nesta canção há uma transposição de idéias acerca da vida de um garoto de aluguel, sem que se perda de vista, a intencionalidade textual, visto que se trata de depoimento autobiográfico do autor, que além de uma voz formidável, tem uma sensibilidade poética encantadora, pois os versos cantados descrevem perfeitamente seu pensamento acerca da temática em discussão.

Quantas pessoas têm carências afetivas e recorrem aos garotos ou garotas de aluguel, sem se darem conta do vazio que pode ser causado depois.Sexo por fazer, sem emoção, sem depois, sem carinho sincero, só pra “estrangular o riso mesmo”.
Vê-se que como o autor, tem outros casos parecidos, de pessoas que vendem prazer por necessidade, mas será que não existe outras alternativas de sobrevivência?Bem, não me cabe julgar, cada caso é um caso. Feliz de quem não precisa se submeter a essa profissão “suja e vulgar”, como diz o Zé Ramalho.


Por falar em Zé Ramalho, ouve-se comentários do tipo;”- Eu não me deitaria com um homem feio daquele, ou Puxa, só muita carência ou necessidade mesmo pra pagar um homem feio daquele pra ter relações sexuais”.

Ora, quem foi que disse que os caminhos do prazer sexual, precisam necessariamente passar pela beleza exterior?Até porque, de repente, o garoto de aluguel pode apresentar habilidades que superem sua expressão facial, por exemplo. Principalmente, em se tratando de quem tem um papo agradavel, envolvente.É aquela historia “Você finge que me engana e eu finjo que acredito”.

É muito comum que os garotos de aluguel, saibam seduzir, dizer o que a cliente quer ouvir, fingir que está se sentindo atraído por ela, e descobrir o que a deixa imensuravelmente realizada na cama, pra depois olhar pra ela, exigir o pagamento e pedir que ela vista a roupa e vá embora, sem esquecer de deixar a porta aberta, pra próxima cliente entrar.

Por fim, o que eterniza Zé Ramalho, é a poesia, a arte de cantar, de compor e os ideais que ele defende ao longo da vida, da historia. Sou suspeita em falar, porque aprecio as composições deste paraibano, mas repito, é a poesia que o imortaliza, pois foi através desta arte que ele foi autêntico nesta linda canção e em tantas outras.Ele foi categórico na construção autobiográfica, nesta canção, pois fala em garoto de aluguel de uma forma tão poética, que varia a direção dos olhares acerca da reflexão atribuida ao assunto.
 
 

Antonia Zilma
Enviado por Antonia Zilma em 28/10/2010
Reeditado em 19/09/2022
Código do texto: T2582827
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