A VIDA É BELA

Desiludido frente este rabiscador de crônicas, que na sua opinião “trata só de palhaçada e putaria”, certo ex-leitor bateu duro em mim. – O que de melhor Deus colocou no mundo, que não elas e muita farra? Indaguei-lhe. Se Jesus Cristo tivesse nascido em Bom Despacho, não haveria sexta-feira da paixão! Deixando “elas” de lado – somente um pouquinho –, cuido de arrematar as estórias de dois personagens que freqüentaram minhas crônicas, e por nunca haver rasgado para protocolos mereciam citação no Guines Book. Metido a besta, pouco compareço a velório ou acompanho enterro de doutor, coronel... Mas não me furto aos de pessoas que discordam e afrontam o sistema – chamadas de loucas, pelo vulgo. Enquanto vivas, não lhes faltam plateias entusiasmadas. Mortas, nem sempre se arranja meia dúzia de voluntários para conduzir-lhes as alças do caixão...

Meados do ano, o Joaquim Caceba, que em vida azucrinou os habitantes de nosso distrito - Engenho do Ribeiro - entre cachaçadas e loucuras, foi responder chamada no céu, ou no inferno, tanto faz, vai-se saber. Quando ouvi o anúncio pelas ondas da Rádio Difusora, cismei: alguém brincaria passando um trote destes? Ainda por cima, na emissora mais ouvida na cidade? Não! O Zé Bambam diz que ela é tão popular, que pifando o rádio de casa é só ligar uma antena no ferro de passar roupa e está sintonizada a emissora dos nossos ouvidos e corações! Locutor de FM tem voz empolgante, mas... o prédio está pegando fogo e o alienado, no maior alto-astral, convida os ouvintes a curtir e dançar axé, funk, pagode... Chique, FM não noticia velório.

O enterro do Caceba foi dos mais concorridos a que compareci, no Engenho. Ganhou disparado de figurões locais em comparecimento. Um maldoso comentou que era porque escaldado, o povo queria ter certeza de que ele morrera e fora enterrado! Por último despediu-se definitivamente de nós, o Jair Guarda-roupa. Figurinha carimbada, ele prestigiou estas crônicas com suas irresponsabilidades. Teve a estória do bolo de chantili, derretido ao sol de Agosto no bolso da sua farda de brincador de reinado; teve o caso de quando nomeou-se segurança particular de rico empresário local (e este, por sacanagem, simulou um sequestro fazendo o herói cagar na roupa); teve a dos “pegas”, madrugadas adentro, pelas ruas da cidade, dando cavalo-de-pau na cadeira de rodas... empurrada pelo Johnny, colega de delírios. Eu ia contar a de como ele foi expulso do asilo, porque danou a beliscar a bunda das velhinhas, quando a Difusora também anunciou...

A história do cemitério novo de Bom Despacho, construído após promessa de campanha eleitoral e porque o velho estava com lotação esgotada, lembra em muito a de Sucupira e o Coronel Odorico. Há 40 dias pronto esperando o primeiro defunto fresco para a inauguração, e os bom-despachenses vivinhos da silva! À época teve-se o bom sendo de preservar as árvores da flora nativa dentro da nova Chácara do Vigário: jatobás, pequis, cagaiteiras... Fui à Prefeitura adquirir um terreno no Parque da Esperança, para desfrute pessoal! Exigi que se localizasse embaixo de um pequizeiro – árvore frondosa, fruto cheiroso, passarinho cantando nos galhos... A funcionária informou-me que, por enquanto, aquela área não está loteada nem à venda. – Tá legal! Respondi irônico. Então embirro e não morro! Certo encarregado gaiato plantou no Cemitério Novo três alamedas de mangueiras. Isto sem contar pés de mexerica, acerola e jambo salteados. Se os mortos não voltam para chupar as frutas, os vivos não perdem chance quando acompanham enterros... A vida passa e nada se leva! Também não se trouxe nada...

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 28/10/2010
Reeditado em 03/03/2011
Código do texto: T2583672