Crônica V: Cinderella

Cinderella

Ana Esther

Os leitores já tiveram, alguma vez, o apelido de Cinderella? Eu já.

Principado de Liechtenstein, julho de 1989. Um pequeninho ponto no mapa da Europa, por si só um verdadeiro conto de fadas. Eu e minha mochila nos hospedamos no Albergue da Juventude em Vaduz. Dias lindos de verão que convidavam a passear a pé pelo país alpino cortado pelo romântico Rio Reno.

Em um desses meus passeios, com mapa local em punho, me perdi em uma das ruas. Ao ver um grupo alegre saindo de uma igreja, esperei um pouco e pedi informações a um senhor muito sorridente. Tentei falar no pouco de alemão que eu sabia. Ele se comoveu ao ver o meu esforço. Perguntou-me de onde eu vinha. Quando soube que eu era uma turista brasileira esmerou-se em explicações. Passamos a falar em inglês pois ele (já contou a vida inteira em alguns minutos) morava no Canadá. Viera para seu país natal para participar das festanças do casamento de seu filho.

Conversa vai, conversa vem, o Günter chamou seu irmão e a cunhada e me apresentou. Acabei sendo convidada para o jantar de despedida do Günter. Fiquei muito surpresa e assustada. Eu viajava sozinha e ninguém sabia do meu paradeiro imediato. Eu precisava ser muito cautelosa para não me meter em perigo. O convite, no entanto, era irresistível e eu aceitei. Morrendo de medo, mas eles pareciam ser gente tão simpática. À noite no albergue, tentando achar em minha mochila (mágica) alguma roupa própria para um restaurante... algo que não fosse tênis nem jeans, conversava com a moça da cama de cima do meu beliche no dormitório. Ela achou o convite perigoso, sair com pessoas que eu não conhecia poderia oferecer um grande risco.

Às oito da noite lá estava o Günter, seu irmão e a cunhada na portaria. A senhora secretária do albergue enfatizou que eu deveria estar de volta até a meia-noite quando eles fechavam as portas. Lá me toquei eu para o jantar com meus amigos ‘Liechtensteinianos’. Detalhe: cruzaríamos a fronteira pois o restaurante escolhido ficava na Alemanha... mais ou menos uns 20km dali...

Fläsch, Alemanha. Tranqüilizei-me quando realmente chegamos ao restaurante familiar, Familie Davaz. Uma decoração aconchegante com mesas de madeira talhada, paredes decoradas em estilo alemão rústico. Perfeito para uma reunião familiar. E nem mesmo conhecida deles eu era... Devido ao meu horário de fim de festa passaram a chamar-me carinhosamente de Cinderella! Esqueceram-se do meu nome e o apelido pegou. Comida típica alemã, vinho maravilhoso alemão e conversa tipicamente cosmopolita. Noite de sonhos para mim. O Günter não era meu príncipe encantado mas tornou-se um amigo muito querido. Como uma verdadeira Cinderella, tivemos que sair voando do restaurante na Alemanha para chegarmos ao meu albergue em Liechtenstein, à meia-noite em ponto. Para o Günter e sua família sempre fui a Cinderella brasileira!

*Escrevi esta minha crônica da Mochileira Tupiniquim em 27/08/2007.