O PEIXE E O FUMO

[a Wendel Tetê]

“Falar é ter demasiada consideração pelos outros. Pela boca morre o peixe.” (Fernando Pessoa)

Antes de dizer o que quero neste texto, contarei uma anedota:

Era noite, mas o céu não tinha estrela alguma. Parecia até que o universo não estava nem aí para nós humanos. A lua, meu deus, estava mais opaca que um jardim sem flores. Então, já que o céu não dava a mínima pra nós, tampouco os astros iluminados sorriam uma gota de brilho sequer, o que nos restava? Ele, imenso e perigoso: o mar.

Nós, sorridentes, sem nada a perder, pegamos as iscas, os anzóis e fomos pescar. Não seria possível que o mar, do tamanho que é, não houvesse de nos entregar um único peixe faminto fisgado pela boca sangrando por culpa de um metal pontiagudo... sentamos a beira mar, balançamos as perninhas e ficamos lá papeando e esperando o peixe inocente e faminto fisgar a isca de camarão. Até que do nada, aparece vindo de longe três regueiros rastafáris com um baseado de maconha e uma meiota de cachaça, batendo em nossos ombros e dizendo: “pesca algo aí moleques, temos a cana e a larica, mas não temos o bendito tira-gosto”. Olhamos pra ele, e com a maciez de um pescador dissemos: “cara, se o seu fumo for depender do nosso peixe, você tá fodido, vai morrer nessa larica desgraçada”. Só sei que ao acabar de dizer isso, o peixe fisga a isca, e o baseado do rastafári cai no mar, o meu amigo pescador diz: “ó o peixe”. Já o amigo do rastafári diz: “ó o fumo”. E assim ficou um pra lá e outro pra cá: “o peixe e o fumo, o peixe e o fumo, o peixe e o fumo, o peixe e o fumo”. Hahahahahahah, sorrindo, fazia um moleque que nem pescava nem fumava.

Desse jeito, ninguém brigou com ninguém, o peixe escapou, o baseado se perdeu. Os maconheiros não ficaram doidões, nós não fizemos o nosso pirão de peixe, a noite continuou escura e sombria, as estrelas por trás das nuvens, um frio do caralho e a lua, com certeza, nos xingava dizendo baixinho no pé do ouvido do sol que brevemente apareceu: “o peixe e o fumo, o peixe e o fumo, o peixe e o fumo”. Hahahahahaha.

Terminada a passagem, digo-lhes: essa foi uma noite tranquila em que ninguém teve sucesso mesmo sem fazer o que mais se gostava. Dessa forma, deixarei uma mensagem: o sentido da vida é cada qual na sua. Quem gosta de pescar que pesque, quem gosta de fumar que fume, quem gosta de sorrir que sorria e quem gosta de chorar que chore. Ninguém tem o sangue do escárnio de ninguém na ponta da língua pra sair falando da vida alheia. Pode ler a sua história, com certeza ela terá uma mancha que nem você consegue limpar. Cada qual com suas sujeiras...

Eu morro dizendo: quando for abrir a boca pra falar de alguém, ponha um espelho na frente da sua cara de pau.