Brasil-Galiza: Plenitude mesmo!

Plenitude foi uma das palavras escolhidas polos poetas para comunicar ao Sérgio o tom emocional do poema que iam ler, e o Sérgio, com seus dedos mestres, traduzia para a guitarra aquela emoção... no ar juntaram-se notas com palavras tecendo o começo duma tarde memorável na casa do Brasil de Madrid. Plenitude foi também a palavra que um amigo que veio de longe para assistir à festa, escolheu para resumir aquela tarde de encantos brasilegos da que estou a falar...

O passado sábado, dia 23 de outubro, das 19:30 até a sem-hora, celebramos na Casa do Brasil de Madrid a Festa Inaugural do Instituto Cultural Brasil-Galiza. Lembro aqui as palavras que o Otto L Winck, escritor de Curitiba nascido no Rio de Janeiro, disse quando visitou Santiago de Compostela: ‘O que acontece com o Brasil e a Galiza é amor a primeira vista’ Ele descobriu isso, todos concordamos, todos alguma vez já descobrimos isso, mesmo que não o tenhamos colocado com essas mesma palavras... Isso acontece sem dúvida por um reconhecimento de irmandade que se faz inevitável, nem podemos dizer que seja mérito pessoal que devamos atribuir-nos.

Talvez a palavra plenitude podia servir também para resumir este sentimento que nasce do encontro, da descoberta, entre galegos e brasileiros, entre galegas e brasileiras. Tão similares... tão com o nosso jeito de ser que a outros choca... mesmo que no lado galego vai tudo ficando meio apagado, meio adormecido, eu já nem lembrava as mais das cousas... tudo vai a caminho do esquecimento, mas o espírito acorda ao se olhar nos olhos do Brasil... aí a Galiza revive e, mesmo que possa parecer incrível, se iguala em tamanho a seu irmão de língua. E é que o tamanho de um país já não se mede mais polo tamanho do seu território, nem sequer polo seu poder económico, o tamanho da Galiza quando se junta com o Brasil deve medir-se pola sua auto-imagem, aí ela se vê grande, grande por compreendida, grande por respeitada, grande por ser pequena e levar nela a mesma essência de seu irmão... Essa essência sentiu-se em cada verso lido polos poetas essa tarde em Madrid, nas vozes de Ana Cibeira, Begoña Regueiro, Rafa Yáñez, Jurjo Martins e na minha, que também disse algum verso. Essa essência sentiu-se na música, sobretudo na música, na voz da Uxia, na harmonia brasilega, um cantar de passarinhos de uma eterna primavera. Junto da Uxia o Fred Martins e o Sérgio Tannus, aos que sinto tão meus que já quase nem os posso descrever... que este dia cantaram acompanhados da Aline Fração, essa angolana, angolega de coração, que arranca ao ar suas notas mais doces, e o Leo Minax com sua incrível poética...

Juntos encheram de som a imensa Casa do Brasil, que esse dia foi casa Brasil-Galiza. Antes da música e a poesia, e mesmo antes das acolhedoras palavras do seu diretor, Cássio Roberto, e também antes das minhas que falava como presidenta do ICBG para agradecer a todos os que nos ajudaram, a Casa das Crechas, a Pró-AGLP, os Poetas e Advogados de Santa Catarina, antes mesmo que as palavras do apresentador, o polifacético Jurjo Martins, antes, como venho dizendo, de tudo isso, veio a merenda... empada, tortilha de pataca, chouriço e queixo do país... alvarinho, mencia, godelho, ribeiro... e ainda cerveja galega, e bebidas refrigerantes para as crianças, a pequena Cármen, de quatro anos, aprendiz de poeta que muito ajudou na distribuição dos pratos polas mesas... dá para reflexionar sobre o papel da comunidade, quando se junta, na vida das crianças que parecem absorverem o mundo sem esforço... e Vera, de dez anos, que saiu vestindo uma camiseta do ICBG com a pega e o papagaio falando... Tudo no seu lugar, os fotógrafos, o pessoal das câmaras, os técnicos de som, e a assistência, um público de luxo entregado em todo o momento, vivo, vivendo, criando o momento. Esse momento foi feito por todos e todas num feliz entendimento...

Na hora de se ir embora a gente para-se a falar no hall onde uma exposição de pintura abstrata de Naso González veste as paredes. A gente quer demorar de propósito, ninguém quer que o dia acabe, mesmo que já acabara, ninguém quer que a noite nos separe, e já fora alguns continuamos a cantar com o Sérgio e a Uxia como os principais culpados, a caminho do restaurante onde, perto das duas da madrugada, tomamos a sobreceia, e logo o salão, quase vazio de gente, se encheu com a voz da Uxia, a voz da nossa voz, que voou livre como voaria a melra no quintal... é há quem diga que ainda hoje, muitos dias após aquela noite, fica seu eco polos recantos todos da cidade. Acho que essa noite Madrid se sentiu bem, se encontrava a gosto e à vontade connosco lá, connosco vestindo a nossa voz mais genuína, mais verdadeira, essa voz que se confundia com a dos brasileiros, e é que talvez os tempos de mostrar essa irmandade ao mundo sejam chegados...