Amor, eternamente o amor

Janela estava aberta de forma que as gotas de orvalho ousavam umedecer meu corpo nu. Insano viajava em pensamentos, ousava o tempo e o espaço, remoía-me excitado, lembrando-me da tua avidez. A lareira acesa ao meu lado fazia com que sentisse o fogo do teu corpo, embedava-me bailando envolta em rosas, o perfume inundava minha alma, envolto, sentia meu peito arder, as lágrimas a lavar minha face seca, tal qual minha solidão nefasta, causava-me tormentos infindos.

A taça de vinho sobre a mesa de mármore ao meu lado, naquele exato momento, parecia acariciar-me covardemente.

Aos poucos, de gole em gole conseguia ir embebedando minha angustia, fazia resplandecer uma falsa esperança de um novo amanhã.

Assim foi por toda madrugada. Meu corpo trêmulo, agonizava, apontava o desejo febril de sentir teu corpo em minhas mãos.

O pesadelo não distanciava-se dos mais loucos anseios e pensamentos. Entre o vidro da janela já observava a neve colorir a montanha a minha frente. A escuridão agora, aos poucos, ia tornando-se salpicada, malhada, como uma tela claro e escuro de nanquim.

A lareira, não mais aquecia meu corpo, com isto, a dor da solidão foi devastando meu coração, este apertado, queimava sufocando meu respirar, sentia o nó na garganta, uma dor seca e cruel. A maleita foi apossando-se com velocidade do meu corpo. Rogava para a noite ter fim, porém, friamente arrastava-se perseguida pelos meus olhos atentos ao relógio póstumo ao fundo da sala a meia luz. O cheiro do sofrimento misturava-se ao desejo da morte, esta que em uma ação covarde não deixava-me abraça-la.

O vinha acabara, não havia conseguido salvar-me da angustia que possuía-me ferrenha e obstinadamente irredutível. Após algum sacrifício, fui levantando-me, muito embora a dor no corpo tornasse este movimento quase impossível, venci e cheguei ao bar no lado oposto à lareira. La estava ela, a garrafa de Vodka Russa, guardei cuidadosamente por seis longos anos, anos na esperança de ser degustada em um momento especial, acho que sofreu uma grande decepção. Mas, na verdade era uma ocasião especial, afinal, não haveria outra solução. Na verdade, nada traria o meu amor de volta. A mulher que amei por longos anos de felicidade partiu.

Na verdade, não conseguia e o pior de tudo é que no meu interior eu não aceitava a morte de Leiticia. A vida havia sido covarde e injusta, pior que isto, saber que meu filho vive entrevado em uma cama de hospital em uma UTI sem a menor chance de livrar-se daquela penúria.

A noite não chegava ao seu final, à vodka era a esperança que eu adormecesse, mas não adiantava, já encontrava-me bêbado, persistia a dor, as lágrimas, a incompreesão, a revolta pela tamanha covardia cometida, quanto a mim, nada mais importava. Caminhava pelas vielas das minhas recordações, em busca de uma porta aberta para o futuro que livrasse-me da loucura, porém esta estava fechada na minha pobre ignorância do meu ser egosista.

O vento começou a soprar com violência, a janela bateu e assustei-me de forma que quase fui ao chão. Tratei de fecha-la definitivamente, mas foi em vão, uma força desconhecida atirou-me ao chão. Caí de cara no carpete umedecido, senti um liquido quente escorrer em meu rosto quando consegui virar de frente, não houve tempo. Uma luz devastadora tornou-me cego por alguns instantes, este que pareciam uma eternidade.

Aos poucos fui conseguindo ver à luz diminuindo sua intensidade, como também aos poucos assisti a formação de uma figura com contornos que lembravam uma pessoa. Levantei-me rápido em direção a minha amiga garrafa. Nada adiantou, ela me abandonara, cansando-se de mim deixou apenas sua roupa exposta na mesa. Senti um calor abrupto tomar conta do meu corpo sequelado pelo álcool, senti um cheiro familiar invadindo meu interior, tentei respirar fundo e não consegui o sangue já em maior quantidade sufocou-me, tive recorrer à toalha da mesa de jantar para limpar o excesso de imediato.

Assim, consegui respirar e sentir o odor familiar. Voltei-me para direção da luz e tive outro susto, Leiticia, minha Leiticia havia retornado ao nosso lar.

Naquele exato momento o mundo parou, pelo menos foi à sensação exata que tive, mas não havia parado, Leiticia estava ali, bem na minha frente. Corri para abraça-la, não consegui, apenas mais um tombo. Aquela altura dos acontecimentos, já não sabia o que era verdade ou ilusão ótica de bêbado, ou então uma projeção inconsciente pelo meu quadro depressivo. Não, não era nada disso, era ela realmente, porém, demonstrava-se séria, olhava-me com profundidade. Da forma que cai ao chão, sentei-me apenas em uma das pernas ainda dobrada e apoiei-me no braço do sofá e sorri. Não fui retribuído, sim achincalhado com severidade, Leiticia não falava palavra sequer, no entanto, ouvia sua repugnância em minha mente com clareza. As lágrimas corriam em minha face como uma cascata, minha dor oscilava entre alegria e desespero, não sabia como agir, estava em pânico, não conseguia falar nada. Repentinamente senti suas mãos acariciando meus nojentos cabelos sujos de sangue misturado com suor e cheirando puramente a álcool. Desmaiei, não vi mais nada, nem posso qualificar como um sonho, pois não o tive tudo parou sem explicação alguma.

O sol invadia a sala e com isso, tornava-a um pouco aquecida, ao ponto de acordar assustado e umedecido de suor. Ao levantar do chão, ainda nu, sujo de sangue, arranhado e com alguns hematomas, observei o ambiente totalmente repleto de flores das mais variadas espécies e com fragrâncias sobrenaturais. Eram perfumes misturados, que na verdade não se misturavam, dava exatamente para sentir um a um. Tratei de levantar-me rapidamente, parti para o nosso quarto. Tamanha foi minha decepção que cai de joelhos, agarrei-me a colcha e gritei como nunca houvera gritado em toda minha vida.

Nada adiantou. Após alguns minutos de loucura, fui tomado por uma calmaria que também nunca havia sentido antes, nem nos melhores momentos da minha vida com Leiticia. Pois bem, levantei-me e vi jogado ao chão pequeno pedaço de papel, achei ser insignificante.

Não era, tratava-se de um bilhete.

“Genésio eu sempre te amarei, nunca se esqueça do nosso filho “Dionísio”“.

Você tem que estar no hospital às 11:30 minutos para trazê-lo para casa.

Ele recebeu alta dos médicos.

Não chegue atrasado.

“Dê um beijo nele por mim.”

Amo vocês!

Lembrem-se disto!

Leiticia.

Amor, eternamente o amor...

Bruxo das Letras
Enviado por Bruxo das Letras em 09/11/2010
Reeditado em 09/11/2010
Código do texto: T2606096
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