PELA MADRUGADA !

Houve tempo, ao menos para os rapazes, que ser funcionário do Banco do Brasil nas cidades do interior dava o maior status. O sujeito logo se via tratado como futuro genro! Daí a namorar as mocinhas mais bonitas e prendadas do lugar, era mamão-com-açúcar como diz o Dario Peito de Aço, também chamado Dadá Maravilha e centroavante titular do Galo Mineiro, que convocado pelo general-presidente Médice foi reserva na Seleção Brasileira Tri-campeã Mundial de Futebol, no México, em 1970.

Mas no horário de serviço não tinha moleza pra ninguém. Sempre havia tarefas numerosas e pouco pessoal de execução. Como a atual parafernália eletrônica fosse ainda ficção científica, nas épocas de balanços e nos períodos de safras com formalização de empréstimos para agricultores e pecuaristas, se emendavam dias e noites no trabalho. Madrugadas mortas varadas pela turma girando manivelas de calculadoras manuais (dando corda nas Facit!), em fechamento de balancetes; quando não, ao rítmo matraqueiro das máquinas de escrever - Olivetti e Remington -, datilografando contratos.

E que ninguém ousasse fazer corpo mole, pois à data vigorava a Revolução de 1964 - A Redentora... Qualquer vacilo de opinião e o funcionário era mandado embora, por justíssima causa! O chamado "ideal revolucionário" estava de tal maneira infundido na vida brasileira, que mesmo numa instituição quase bi-centenária como o Banco do Brasil, toda a nomenclatura fora alterada para agradar aos generais de plantão. Além do aspecto de caserna, as agências refletiam um quê de campo de batalha: ao entrar no banco o cliente era atendido na “plataforma”; para descontar um cheque passava à “bateria” de caixas; os papéis eram processados na “retaguarda”; quem quisesse fazer empréstimo, após avistar-se com o “investigador” de cadastro era recebido no “setor de operações”... Impossível não se desenvolver alguma paranóia de guerra!

Num final de mês, em que os funcionários “convocados” para horas extras ultimavam o fechamento do balanço, lá pelas tantas da madrugada o alarme que fazia a comunicação entre o Banco e o Quartel do Sétimo Batalhão de Polícia, disparou. Porém, atarefados, os bancários só perceberam o enguiço quando o prédio se achava cercado por um pelotão militar, com soldados armados até os dentes!

Foi aí que o Chefe Zinho, temeroso pela inesperada operação de combate, gritou pro Torresmo - um sujeito de meia-idade, que além de trabalhar na limpeza, fora do horário costumava tumbar entre as escrivaninhas, esperando ser incumbido de comprar lanches e cigarros. Coisas para tirar o sono da moçada. E de tabela lhe garantir umas gorjetas - estrategicamente “acantonado” próximo à mesa do PABX (aquele trambolho donde se faziam ligações telefônicas). – Ô, Torresmo, liga pro gerente avisando que os “home” tão aí fora, com metralhadora e tudo. Disca o número 13.

O Torresmo, tristemente famoso por mal-garatujar o nome e conhecer dinheiro pelas figuras estampadas nas cédulas - escaldado pelos trotes do tesoureiro Roxinho -, quis mostrar de valia seu curso para alfabetização de adultos, que às vezes freqüentava nos finais de semana. E fitando o telefone fixamente, como se a um objeto alienígena, respondeu de lá: - Ocê acha que eu sou besta, Zinho? Num tem jeito, não. Este aparelho aqui só vai até o numeral nove!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 10/11/2010
Reeditado em 15/02/2011
Código do texto: T2606870