CAIXINHA MUITO CRIATIVA

Estava muito quieto, no meu “escritório”, lá onde, às vezes, costumo ir deglutir umas geladinhas. E eis que, de repente, sem nada me falar, um gajo deposita-me à mesa, bem à rosca do meu nariz, uma pequena caixa de madeira. Coisa fina e caprichada, porém na cor natural da madeira, sem verniz algum. Era do tamanho de um celular, daqueles maiores.

O sujeito deitou a caixinha à mesa e foi indo adiante, prosseguindo na sua semeadura. Então, se era para apreciá-la, tomei-a nas mãos, enquanto o camarada abigodado e de bolsa a tiracolo fazia o que tinha a fazer – divulgar o produto lá dele. Ia às diversas mesas da confeitaria-bar, sem dizer palavras, tal como procedera comigo.

No artefato retangular, sob a forma de torrinha sem ápice, com três tarjetas miúdas, também retangulares, em cima e embaixo, além de duas cintas em horizontal. Vale realçar que estes adereços circundavam os quatro lados da curiosa peça, observando-se assim uma simetria impecável. Obra d’arte das mãos e do quengo de um mestre carpinteiro.

Nas duas faces largas, entre as tarjas em horizontal, frente e costa, duas legendas azuis, em belas e distintas letras maiúsculas, bem visíveis e esmeradas, que rezavam o seguinte epíteto: ABRA SE FOR CAPAZ. Alto lá, mas o estranho estaria era me peitando para irmos a uma contenda? Ora se não era!

Ali estava lançado o desafio, isto é, abrir ou não abrir a caixinha. “Claro, vou tentar abri-la já”, foi o que me deu pela cabeça. Antes, contudo, pensei, rodei o produto artístico para lá e para cá. E olhei mais e bem direito o artesanato. Virei e revirei o objeto, de novo, ainda sem forcejar para abri-lo. Mas não adiantaria forçar a barra, que a coisa não se iria abrir. Numa das paredes estreitas das laterais, estes dizeres menores que davam título à mercadoria do bigodudo: CAIXA MÁGICA.

“Não deve haver cobra ou percevejo, aqui, nesta joça tão pequena. Vou abrir, sim, esta geringonça” – continuei a matutar. E me lancei, com força total, não pela força bruta, mas pelo jeito e a paciência, ao difícil oficio de abridor de caixa artesanal – ao que já me parecia peça de artesão – uma caixa bastante criativa. E, sem dúvida, após a minha frustração de não encontrar o caminho da mina, aí foi que o bicho pegou. Fiquei mais ainda fascinado por aquela invenção maravilhosa. Coisa simples, mas criativa.

Olhei bem nas mesas que haviam recebido antes a novidade, nada ainda de resultado prático. Todos ainda insistiam na labuta desafiadora: “abra se for capaz”. Ninguém, ninguém mesmo conseguia o seu intento, mas em cada rosto estampava-se um sorriso. Menos ruindade. Pelo menos isto: gente a sorrir, quando o mundo inteiro anda sisudo.

Também ri um sorriso meio de babaca, pois que, como todos os do jogo, ali no recinto, eu não tinha como arranjar meios de cumprir a proposta da caixinha: ela ser aberta. A minha tarefa fora vã, vã igual à dos companheiros que, sós ou com seus pares e/ou namoradas, permaneciam na estaca zero, sem êxito em coisa alguma.

Aí o bigodudo fez uma rodada nas mesas, virou pedagogo ambulante, inclusive nas mesas que se derramavam fora da cobertura. E ainda bancou o mágico mandachuva. Foi quando teve língua e, pegando a “minha” caixinha, soprou-a e zás, dito e feito, veloz, num átimo de segundo, o tipo já havia escancarado manufatura. Nadinha lá dentro, eis a verdade, além das minúsculas trilhas corrediças por onde a mágica ou milagre acontecia.

O peste do homem ensinou-me o segredo da coisa. Pediu que não declarasse a chave da mágica para ninguém. Que eu fizesse boca de siri. E minhas unhas se fincaram nas estreitíssimas cantoneiras, nos extremos da peça, onde se fixava o cadeado da tal CAIXA MÁGICA. Pois não é que aprendi o mistério? Fácil, abri. Mas aprendi vírgula, de necas; só na horinha da aula do bigodudo.

Dia seguinte, em casa, quem foi que me viu mais abrir a caixinha? Perdi meus cinco reais. Mas lá, no ato da exibição da mágica, achei aquilo fascinante e eu pagaria até as dez pratas, sem regatear. Guardei a minha caixinha com muito mimo e carinho, aqui ela se encontra, na biblioteca. Quem sabe, um dia abri-la-ei, num bambo. E ainda vou me gabar aos circunstantes de casa que eu sou um mago, ou ilusionista, ou mágico mesmo, sei lá, e de carteirinha no bolso. Tobias, o vendedor, não me passara cano. Eu é que não peguei direito a técnica. È... Foi isto.

Antes que o mascate Tobias se fosse, como todos já percebem, perguntei-lhe o nome. Disse-lhe, ainda, que aquilo era uma coisa muito criativa, espetacular, e indaguei-lhe se ele – em pessoa – era realmente o autor da invenção. Por modéstia, ele só fez: “È, a gente vai vendo e imitando”. Ora, vá lá que aquilo tenha sido plágio, cópia de outrem, porém se aquele treco saiu das mãos dele, então vou achar sempre o baixote Tobias um sujeito genial. Além de ser bigodudo, sem sombra de dúvida, um cara pai d’égua mesmo.

Fort., 12/11/2010.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 12/11/2010
Reeditado em 12/11/2010
Código do texto: T2611172
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