CHOCOLATE COM AMOR

Muitas pessoas desperdiçam a vida correndo atrás de desculpas para fazer ou não fazer determinadas coisas. Prático, questiono: o que obrigaria alguém ler estas crônicas? Aí, valem os motivos mais bizarros. Inclusive dizer que se está cumprindo sentença do padre, dada na confissão: - Sô Padre, meu namorado e eu, a gente... - Filha, não era para ter acontecido, mas pelo menos ele usou camisinha?... Como penitência leia treze crônicas do Dilermando Cardoso! Quem já penou com minhas ruminações nas letras sabe que em casa não crio gatos, cachorros, papagaios... Por medo de me apegar a eles mais do que aos humanos, e porque seja pessoa de difícil convivência até para "bichos irracionais”. Estas certezas eu tinha antes de conhecer o Chocolate: um cachorrinho pouco maior que gato angorá, peludo, marronzinho, e bravo! Fera, pelo que a vida de cachorro lhe reservou. Até que... Nada acontece na esquina sem que ele não dê alarme - latindo aguerridamente -, e alerte o quarteirão inteiro!

Sobejamente sabem os leitores que sou mineiro de Bom Despacho, e aqui moro num bairro da periferia chamado Arraial dos Lobos, onde muitas casas ficam ocultadas atrás de muros altos, parecendo castelos medievais; outras guarnecidas por cercas elétricas se assemelham a campo de concentração nazista! Nelas se escondem pessoas com medo de si mesmas e da vida! Minha casa não tem muralhas. Só uma gradinha separa o jardim, da rua. Raciocine, leitor: se num perrengue qualquer você fosse assaltar residências aqui, o lógico não seria invadir as mais “protegidas”? Nelas devem se guardar riquezas em ouro e prata! É preciso cuidar na vida, mas sem permitir que a segurança vire obsessão. Por mais que um cerque, vem outro e arromba!

Meu vizinho de esquina é o Dr. Fernando Lamounier. Radicado há pouco na cidade ele se faz conhecido e respeitado por consultas, intervenções e acompanhamento às crianças, sobretudo no Posto de Saúde da Prefeitura. De quebra, como pediatra cuida dos pais; e também de uma porção de cachorros que adotou. A casa dele é vigiada por uma cachorra que parece leoa adulta! Seus latidos balançam os lustres do teto. Neguim nenhum é besta de entrar lá. A mordida da Lara - nome da fera - abocanha uma bunda!

Latidos e uivos que espantam a pasmaceira do Arraial, são de uns tempos para cá mais intensos por conta do Chocolate: um “ex-cãozinho de rua” abandonado por família rica à própria sorte, até encontrar o novo amigo-protetor. Honestamente, nossos primeiros contatos - meus e do Chô (apelido que lhe dei) foram marcados por mútua desconfiança. Decerto ele farejou minha ojeriza por cães. Saindo de carro ele me perseguia como fora eu um larápio! - Esse cachorrinho marrom, ali na rua, é seu? Indagou a mulher. - Graças a Deus, não! Respondi. - Todo dia ele quer me pegar. - Fica fria. É só um vira-lata. - Aí é que mora o perigo: grande a gente vê de longe e corre, mas estes porcarias...

Mês passado o Dr. Fernando viajou, permancendo uma quinzena fora. Antes, meio sem jeito, me sondou se cuidaria do Chocolate, em sua ausência. Na hora eu e o cachorro nos entreolhamos desconfiados, tipo: “Este casamento terminará em divórcio, ainda na lua-de-mel.” Uma vez mais quebrei a cara, na vida. Já no dia seguinte, dócil e atento o Chô me acompanhou na caminhada vespertina. Ao início da crônica escrevi que bichos me causam problemas sentimentais... De regresso o médico e vizinho veio buscar o Chocolate. Eu não quis devolver. Até que fizemos um acordo: de dia o Chô toma conta de mim; à noitinha, retornando do consultório o doutor leva o cãozinho, que juntamente com a Lara vigia sua casa a noite inteira.

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 13/11/2010
Reeditado em 15/11/2010
Código do texto: T2614131