O CEMITÉRIO DOS VIVOS

Uma das coisas mais difícil do mundo é conhecer bem o ser humano; não importa se é amigo, desconhecido ou parente.

Às vezes você convive por longo tempo com uma pessoa, acha que a conhece bem e depois sofre uma enorme decepção; o desapontamento se torna maior quando se constata a falta de caráter e hombridade.

Aí então você se lembra de como aquela pessoa lhe parecia ser correta e boa. Como ela lhe tratava com seriedade e respeito. Como aparentava e demonstrava amizade. Atitudes e gestos certamente movidos por algum interesse.

Com o tempo a máscara cai, pois, não se engana uma pessoa por muito tempo.

O próprio destino cuida de colocar as coisas nos lugares e esclarecer o que está obscuro.

Um pequeno descuido, mal entendido ou empecilho, e o comportamento dessa pessoa, se faz pouco gentil; fracassa justamente no momento em que teria que demonstrar o que há de mais importante, a amizade. Aí você então passa a concordar com o dito popular: Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem!

No decorrer da minha vida, sempre ocorreram e ainda ocorrem decepções com pessoas que me cercam. Como estou vivo isso é inevitável, bem sei. Já passei por poucas e boas. Contudo não me entristeço com tais atitudes. Nunca perco a serenidade, não perco a calma e tão pouco cedo a impulsividade.

Até então, não tinha encontrado meios de evitar tais situações e dissabores.

Como vivo a esbarrar com essas criaturas por aí, arquitetei um jeito de evitar maiores constrangimentos e amarguras; criei um cemitério; isso mesmo, um cemitério imaginário para pessoas vivas. E não é que deu certo! Resolvi o problema. Assim, tenho enviado todos os meus desafetos para o cemitério imaginado e logicamente não os vejo mais. Tornaram-se invisíveis. Podem ficar ao meu lado que não os enxergo mais, embora, não muito raramente, sinta o cheiro nauseabundo do enxofre que exalam. Encomendo a alma, e pratico todo o ritual litúrgico, até missa de sétimo dia. Tudo dentro dos conformes e como manda o sentimento cristão. São poucos os “de cujus”, cerca de três ou quatro gatos pingados. É lógico que esse número pode aumentar, todavia, espero que não.

Esses defuntos às vezes tentam me provocar, falam, resmungam, agridem com frases dúbias, mas não os ouço. Enfim, não têm a dignidade de retribuir a indiferença que os dedico.

Estão mortos e sepultados. Mesmo porque não acredito em fantasmas, contudo, segundo o bruxo e grande cronista, Raphael Reys, almas do outro mundo existem, contudo, para espantá-las existe o salmo 23.

Vade retro, Satanás...