QUANDO A INSISTÊNCIA LEVA À DESCONFIANÇA – III

No balcão de recepção, uma linda moça em seu uniforme – que realçava todas as suas curvas (incrível como nós homens morremos pela boca!) – deu-me as boas-vindas. Depois de ouvir, de mim, que estava com “hora marcada” com a corretora Dora, ela, imediatamente, me anunciou. De repente, na minha frente... Dora! Mas, ela não veio sozinha. De cada lado, duas outras jovens lindíssimas.

Confesso que fiquei meio zonzo. O salão suntuoso onde uma maquete mostrava o conglomerado de prédios, dois campos de futebol, quadras de tênis, área privativa para estacionamento – fora da ala residencial –, piscinas, etc., a ser construídos, que deveriam estar numa escala de 20/1 – portanto, imensa. Tudo isso me deixou como se estivesse numa tenda árabe rodeado de odaliscas.

-Boa noite, seu Raimundo. Muito prazer. Sinta-se, desde já, em sua própria residência (menina, quando ela disse isso, o arrepiamento voltou com mais de mil – eu sabia que o “bote” estava sendo preparado com nó de marinheiro). Aceita água? Ou prefere um suco? Que tal um champanhe? Se o senhor quiser algo mais forte, podemos lhe oferecer um uísque. O que o senhor deseja?...

-Boa noite, Dora. Inicialmente, eu aceito água (eu precisava recuperar a calma e restaurar a minha saliva, já que estava com os batimentos cardíacos parecendo a bateria de uma escola de samba do Rio de Janeiro e, por causa disso, a garganta estava seca, principalmente, por ver, em um metro quadrado, tanta coisa bonita – entenda-se que “coisa”, aqui, no contexto, significa várias “coisas”, como, por exemplo: o local luxuoso, a tecnologia à disposição, a recepção, as mulheres maravilhosas...).

Como por encanto, já me apareceu uma jovem uniformizada (com aqueles uniformes impecáveis de governantas de novelas) trazendo, numa bandeja de prata, um copo com água. Vale o registro: o copo era de cristal mesmo! De soslaio, já vi, também, uma procissão de lindas jovens com suas bandejas “carregadas” de tudo quanto era “coisa” (lá vem a tal da “coisa” de novo) boa. Como eu não tinha jantado, aproveitei um petisco (não me pergunte de quê) e, como não querendo, fui dando “petiscada” em tudo quanto foi bandeja. Sem ser mal educado, claro.

Enquanto isso, sem que eu percebesse, fui conduzido para a área da maquete. Lá, uma jovem muito simpática começou a me mostrar a qualidade de vida que era morar no residencial – quando ele fosse construído igual à maquete ora apresentada. De fato, uma bela apresentação, com direito a lazer, efeito de luzes e miniaturas de carrinhos elétricos passeando por sobre a pavimentação da maquete.

Depois que eu vi tudo, depois que me perguntaram se eu tinha gostado do que tinha visto (com certeza entre as jovens tinha uma psicóloga e uma especialista em marketing), convidaram-me a ver os planos dos apartamentos.

-Não será preciso, corretora Dora. Estou satisfeito com o que vi. Porém, eu preciso, primeiro, trazer aqui, a sua senhoria – a minha esposa. Como lhe disse, por telefone, ela é quem decide.

-Tudo bem, seu Raimundo, mas antes veja todos os nossos planos. Assim o senhor terá como “convencê-la a adquirir um dos nossos imóveis. – disse ela ainda tentando me persuadir a sentar-me e, com isso – com toda certeza – assinar um pré-contrato (Uma coisa estava clara ou “enuveada” para mim: se eu demorasse mais um pouco ali, eu ia acabar assinando até uma compra de dez apartamentos).

Diante da tanta beleza, de tanta fragrância francesa no ar, de tanto ver passar diante de mim, as “coisas” mais bonitas – vou ser redundante – em metro quadrado, eu criei coragem e dispensei todas as gentilezas e, sem olhar para os olhos de todas elas, agradeci a amabilidade, as informações, e já fui me despedindo, prometendo voltar (percebi nessa hora, no rosto de todas elas, um quê de decepção) com a patroa para melhor “avaliar” o residencial.

Como num passe de mágica, o cenário à minha volta foi desfeito. Cada uma das moças se dirigiu para lados opostos, já olhando suas pranchetas, enquanto o desfile de moças sorridentes, com suas bandejas, foi, pouco a pouco, distanciando-se de mim (nessa hora, a minha barriga "roncou" – talvez vendo ir embora uns petiscos tão gostosos iguais às... Deixa pra lá!)

No entanto, quando eu ia saindo do requintado recinto, ouvi, atrás de mim, o meu nome sendo chamado. Quando parei e olhei para trás, quem eu vi vindo em minha direção? Dora, claro! Ela, como toda boa corretora, não me abandonou. Ela veio, na minha direção, com um monte de papéis, uns folders e um sorriso amigo e compreensivo.

-Seu Raimundo, separei esses releases para que sejam analisados pela sua esposa. Neles contém todas as informações necessárias, inclusive de pagamento, além dos telefones através dos quais o senhor poderá entrar em contato conosco.

-Obrigado, senhorita Dora. Vou olhar com carinho, disse retribuindo o sorriso amigo e compreensivo dado por ela.

Saí dali, certo de que, se fosse um picareta, teria tomado muito champanhe, comido muitas iguarias caras e desfrutado da companhia, por mais tempo, de lindas e atenciosas corretoras.

De volta ao hotel, abrindo o notebook, tinha um e-mail recém-chegado. De quem? De Dora - claro! Em anexo ao e-mail, um vídeo do residencial. Uma maravilha! Como a tecnologia é algo espantoso! Sem que exista coisa alguma (por trás do recinto luxuoso de recepção, apenas um terreno baldio), eu me vi dentro de um condomínio dos sonhos de muita gente – inclusive meu.


(Continua)




 
Obs. Imagem da internet
 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 14/11/2010
Reeditado em 20/03/2019
Código do texto: T2614911
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