AS SEMENTES DA EDUCAÇÃO

Num gesto de discutir sobre a educação, lembrei-me de três fatos que presenciei que me fizeram refletir e que os narrarei agora:
Era um dia qualquer de 2006. Estava um sol de escaldar naquelas primeiras horas da tarde. Havia passado toda manhã andando, exaustivamente, atualizando dados e mapeamento uma área para um instituto de pesquisa para o qual trabalhava. Faminta, sedenta e esgotada desejava ardorosamente pegar um ônibus e retornar para casa. Desejava, sobretudo, que o mesmo viesse vazio. Assim poderia ir sentada, visto que as pernas haviam se reduzido a uma dor insuportável, nada mais.
Depois de algum tempo esperando, chegou a condução. E, para desespero, estava superlotada. Encarei o desafio mesmo assim. Após alguns minutos, como por milagre, surgiu uma cadeira vaga. Sentei-me imediatamente e, foi como que subitamente encontrasse o paraíso. Poucos minutos se passaram e entrou um pequeno grupo de crianças acompanhadas de um adulto. Pensei em ceder minha cadeira para a mais pequenina, mas não conseguia mexer as pernas sem me contorcer de dor. Uma delas, segurando-se em uma das cadeiras, olhou em volta como se esperasse algo, e então disse para a senhora que estava ao seu lado: “Mãe, ninguém se levanta pra nós sentar. Ninguém liga pra gente”. Mesmo ouvindo tal desabafo, pessoa alguma cedeu o lugar. Diante daquela situação, era uma questão de honra levantar-me. Assim o fiz e cedi o lugar a ela que sentou com outra menor.
Em outro momento, mais recente, voltava do trabalho por volta de quase onze horas da noite. Controlava o sono em uma das últimas cadeiras. O ônibus não estava superlotado, desta vez, e todos podiam se acomodar nas cadeiras. A condução parou mais uma vez e seguiu. Meus olhos insistiam em fechar-se e essa luta por mantê-los alertas terminou quando em meio às imagens sonolentas vi um homem puxar uma arma por baixo de sua camisa: era um assalto. Todos, sob a mira da arma, entregavam seus pertences ou expunham suas coisas, como eu, para mostrar que nada tinham de valor. No entanto, o que mais chamou minha atenção foi que o referido meliante trazia como ajudante uma criança: um menino de no máximo nove anos. Este trazia uma mochila na qual ia sendo depositado todo o fruto do roubo. Em dado momento uma mãe começa a chorar e pede para que lhe deixem pelo menos pegar os documentos dos filhos. O pequeno ajudante se comove com as lágrimas da mulher e lhe entrega de volta a bolsa para que os procurasse e pegasse. O larápio, no entanto, ao perceber o gesto de seu pequeno ajudante, arrancou-lhe com violência a bolsa dizendo varias palavras grosseiras, querendo-o agredir fisicamente e descendo do ônibus com muita pressa.
Já em outro dia, estava também no ônibus e em dado momento uma menininha de uns quatro anos sentou-se ao meu lado. Sua mãe ficara de pé. Eu mergulhava em mil pensamentos e observava as coisas pela janela. No entanto, observei também que a garotinha parecia deslumbrada comigo. Observava minha postura e tentava imitá-la sem que eu percebesse. Fiz de conta que não sabia de nada para deixá-la à vontade. Eu estava com a perna direita cruzada sobre a esquerda; as mãos estavam sobre o colo também cruzadas. A garotinha, com certa dificuldade tentava cruzar da mesma forma que meus braços os seus bracinhos, e suas perninhas já estavam na mesma posição que as minhas. Para comprovar o que estava acontecendo resolvi descruzar as pernas e pôr uma das mãos sob o queixo. E lá estava a menininha fazendo o mesmo. Fiz que ajeitava o cabelo. Ela também o fez. Naquele momento, já não me lembrava o que pensava antes daquele alegre fato. A verdade é que me ria por dentro com aquela situação. E assim segui fazendo algumas performances somente para vê-la desajeitadamente me imitar até que chegou o momento de sua descida. A mãe lhe chamou, e lá foi minha pequenina admiradora. Foi-se, olhando para trás, onde eu estava, e então sorri para ela.
Fiquei pensando e comparando esses fatos: a primeira criança esperava que alguém tivesse consideração com elas, que alguém agisse com educação e por que não com amor. Aquele gesto a ensinaria a ser no futuro alguém que vê a necessidade do outro, pois ninguém esquece um gesto de amor que recebe; a segunda criança recebia do adulto o mau exemplo de cometer crimes. Era forçado e ameaçado a ser mau, mas percebia-se que havia uma esperança para aquele menino, se alguém o mostrasse outro exemplo e tivesse por ele amor, visto que ele havia se compadecido da mulher que lhe rogava pelos documentos dos filhos; no ultimo exemplo, a mimosa menina tentava imitar meus gestos e por que não dessa forma aprender os gestos delicados de uma mulher.
Penso dessa maneira: até que ponto um jovem tem culpa em ser o que é, se nós adultos (ou muito de nós) não é capaz de lhe ensinar, através do exemplo, o que é bom, correto e justo. A criança, desde o nascimento, em sua inocência, aprende o que lhe ensinam desde um palavrão até mesmo a apontar uma arma da forma mais natural possível, visto que para eles isso é a verdade, o natural, o normal, o que conhecem. Por tanto irão defender a ideologia que lhes foram passadas como se fosse uma religião. Educar segundo qualquer dicionário, inclusive os usados por crianças significa: promover a educação; instruir. No entanto, instruir, por sua vez, se traduz em: transmitir conhecimento; ensinar; esclarecer. Seria assim possível educar para o mal? Porque há conhecimentos bons e outros ruins, e delas nascem ideologias igualmente boas e ruins. Porém quando nos referimos a alguém educado logo nos remetemos a imagem de alguém detentor de, no mínimo, boas maneiras. Assim talvez não possamos considerar a instrução para o mal como uma espécie de educação, mas uma deseducação. Educar talvez seja como o ato de semear, como na parábola do semeador citada por Jesus Cristo, a mais de 2 mil anos. E isso depende do terreno em que a semente cai. Dessa forma, o problema não está no coração das crianças, terra boa, como a terra brasileira que “em se plantando tudo dá”, mas sim nas sementes que jogamos em seus corações. Então vamos escolher as melhores sementes para semear nos corações pueris. Lembrei-me agora de duas frases sobre educação, que li nos murais de minha escola quando criança,que guardo até hoje, sem que tenha encontrado seus autores: “Para ensinar basta saber. Para educar é preciso ser”. “Educar é dar amor e exemplo”. Então eis aí as semente da educação: o amor e o exemplo. Vamos semear!