CRÔNICA EM CONSTRUÇÃO: O ÚLTIMO CHAMADO

Outro dia realizando uma pesquisa sobre monumentos históricos, comecei a ler sobre a vida de Magalhães Barata, até que me deparei com um fato, para mim chocante e triste: seus últimos momentos, sem seu amor, Dalila Ohana. Ela, em sua generosidade, vendo que restava ao seu amor pouco tempo, achou por bem dar uma oportunidade de perdão mútuo a ele e sua ex-mulher, bem como a oportunidade de suas filhas acompanharem também o pai. Um gesto grandioso de sua parte, visto que sofrera tantas injustiças de uma sociedade conservadora, preconceituosa e cruel, que até hoje ainda o é, mesmo que declare que não. Só que ela jamais imaginou que seria excluida da piedade desta familia e das autoridades religiosas que acompanhavam aquele momento. Nas páginas do livro, meus olhos conseguiam tatear a dor que transcendia latente sobretudo quando disse que ele a chamava inúmeras vezes, o tempo todo, e ninguém atendeu seu pedido, nem deram esta oportunidade a Dalila que havia sido tão generosa com todos. Segundo ainda o livro, Ohana escrevera uma obra intitulada "Eu e as Últimas 72 Horas de Magalhães Barata",(adaptado para os palcos por Edyr Proença sob o tÍtulo "Sem dizer adeus") no qual relatou toda a sua dor, e uma frase sua me chamou a atenção, "não pude nem me despedir, do meu caro". Quanta tristeza senti ao ler aquelas palavras, e agora, escrevendo esta crônica, as lágrimas me percorrem a face. Angustia-me me pôr no lugar deles. Penso que ninguém pode ser penalizado por deixar de amar alguém carnalmente e começar a amar outra pessoa. Nínguém manda no coração. Além do mais não vale a pena manter alguém do nosso lado se não for por amor. Não se pode obrigar ninguém a amar, a quem não ama, na forma que se deseja. O amor é livre. Sejamos felizes e deixemos os outros serem. Essa historia me fez lembrar também de Antonio Tavernard em seus últimos versos encontrados em seu leito de morte:

"Por que não me vens ver? Estou doente...
É possível que morra com o luar...
Anda, lá fora, um vento, tristemente,
as ilusões das rosas a esfolhar.
E, aqui dentro, na alcova penumbrada,
onde arquejo, sozinho, sem sequer
a invisível presença abençoada
de um pensamento meigo de mulher,
há o desconsolo imenso, a imensa dor
de alguém que vai morrer sem seu amor...
De quando em quando,
o coração, que sinto
cada vez mais cansado, se arrastando,
marcando o tempo, recontando as horas,
pergunta-me, num sopro quase extinto,
quando é que virás...
Volta depressa, sim?... Se te demoras,
já não me encontrarás...
Ouço, longe, o gemer de harpas eólias...
É de febre... Começo a delirar...
Desabrocham, no parque, as magnólias...
Vem surgindo o luar...
E, como a luz do luar que vem nascendo,
eu vou aos poucos, meu amor, morrendo..."


...E relembrando esses fatos ... essas palavras encarnadas, materializadas em carne e alma, penso no meu último chamado.
Sei muito bem quem chamaria na minha última hora: é o mesmo nome que chamo quando a saudade me estragula e a solidão me tortura; o mesmo nome que grito quando a paixão e o desejo me violentam, sem piedade; o mesmo nome que guardo inscrito, cravado em minha alma. Seu nome é...
Segredo?
Nos meus olhos, não.
Mas, essa, é uma crônica em construção.