Cotias e afagos

Quando pequena a mãe me colocava para descansar após o almoço. Na verdade quem precisava descansar era ela e para que eu dormisse sempre me contava uma historinha. Como eu gostava de viajar na fantasia das histórias infantis, constantemente pedia que ela contasse outra, mais outra e assim nem dormia, nem a deixava descansar.
 
O dia em que ela estava muito cansada se recusava à ladainha das histórias: “Quem conta história de dia, cria rabo de cotia”.
 
Aos poucos fui perdendo o hábito, acreditando que ela poderia adquirir o rabo da cotia.
 
Anos depois ao visitar o Campo de Santana, lugar de grande concentração de cotias, descobri que os animaizinhos não tinham rabo.  Que momento de decepção! Tinha sido enganada pela minha mãe...
 
Esse era o ritual diurno.

À noite, papai me acostumou a dormir coçando as minhas costas, hábito que não perdi com o tempo: qualquer oportunidade peço que me cocem. Sofro de uma coceira existencial nas costas.
 
Lembranças que surgiram ao passar pelo Campo de Santana e observar as cotias correndo de um lado para o outro. Dormir com carinho, carinho de mãe nas histórias infantis e carinho de pai nos afagos.  Fui uma criança abençoada: muito amor e afeto.