Escuta o Teu Mestre 3

3.

O tema da tertúlia seria o bem e o mal e o discípulo, durante os preparativos para o jantar que pretendia oferecer, perguntou ao Mestre o que poderia comprar no mercado para impressionar os seus conterrâneos.

- “Língua” respondeu o Mestre. “Língua é a melhor coisa do mundo. A língua é que nos une todos, quando falamos. Sem a língua nada poderíamos dizer. A língua é a chave das ciências, o órgão da verdade e da razão. Graças à língua é que se constroem as cidades, graças à língua dizemos o nosso amor. Com a língua se ensina, se persuade, se instrui, se reza, se explica, se canta, se descreve, se elogia, se demonstra, se afirma. È com a língua que tu dizes “mãe” e “querida” e “Deus”. È com a língua que dizemos “sim”. É a língua que desdobra os versos de Camões, a palavra de Pessoa. Todo o mundo, dos deuses do Olimpo à glória sobre Tróia, da ode do poeta ao ensinamento do filósofo, tudo foi feito com a língua, a língua dos poetas que falaram para a eternidade.”

Satisfeito com o prato de apresentação, que iria deliciar os seus convidados, o discípulo indagou:

- “ E o que poderei oferecer, como antídoto à melhor coisa do mundo, para abrir algumas hostilidades à conversa que se seguirá?”

- “ Língua” respondeu o Mestre, sereno e altivo.

- “ Língua, outra vez? Acaso não estais distraído? Não é língua a melhor coisa do mundo?”

O Mestre, fitando o discípulo, erguendo os braços, serenamente disse:

- “ Língua é a pior coisa do mundo. É a fonte de todas as intrigas, o início de todos os processos, a mãe de todas as discussões. È a língua que usam os defensores do mal e todos aqueles que não sabem pensar. É a língua que mente, que esconde, que tergiversa, que calunia, que blasfema, que insulta, que se acovarda, que mendiga, que impreca, que bajula, que destrói, que vende, que corrompe. É com a língua que dizemos “morre” e “canalha” e “corja”. É com a língua que dizemos “não”. Com a língua Hitler mostrou a sua cólera, com a língua Bin Laden tramou os seus ardis. Com a língua os americanos irão tumultuar os pobres cérebros humanos para toda a eternidade. Aí está, porque a língua é o pior de todos os males.”

O discípulo entendeu que o valor das coisas, não está nelas próprias, senão na forma como nós as usamos.

Vimarakof

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Enviado por Vimarakof em 13/10/2006
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