A MADRUGADA

04: 15 da manhã. Uma música alta, ouço apenas o refrão: “Valeu a pena, Valeu a pena, pescador de ilusão...”

Uma sirene. Resgate? Polícia? Tão comuns as ocorrências que o som já está incorporado ao cotidiano. Faz falta o dia que não tem. É tão estranho estar calmo! Como nos dias de longos feriados, a cidade curiosa e contraditoriamente parece ficar mais humanizada quando tem poucas pessoas. A gentileza e a tolerância parecem confirmar serem sentimentos de poucos. Todo mundo fazendo presenças nos lugares de lazer e numa ternura quase palpável como se tivesse data certa para acontecer. Momentos de ver crianças brincando livres como deveriam ser todo dia, de gente dedicando o ouvido ao outro dando a sensação de que estão de fato prestando a atenção, considerando-o semelhante com todas as possibilidades antropológicas sociais.

Uma cidade que dorme em parcelas. O moço da padaria acaba de passar com sua moto de ruído inconfundível. Daqui a pouco tem pão fresquinho e já estará claro o dia. Fico pensando sobre a vastidão do mundo e a insignificância de cada um isoladamente. Caber no mundo todo mundo cabe. O problema é como cada um se encaixa no seu quinhão de área livre para circular e acontecer humanamente. E o mais intrigante ainda é como cada um acontece. Gente cheia de sonhos, gente que nada sonha. Apenas trafega por lugares mais longínquos ou mesmo ao nosso lado cada um exibindo a sua indiferença e alguns com uma indisfarçável demonstração de desejo de reconhecimento.

E eu aqui tentando escrever sobre algo que contemple esse espírito emocionado. Acho que não precisa, sinto que uma paz estranha assim não encontra eco nas palavras que se apresentam disponíveis para mim. Estou saciado por ora. Idiossincrasias da solidão coletiva.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 01/12/2010
Código do texto: T2646858
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