QUEM NÃO USA BORDÕES?*

Ao comunicar-se, duvido que haja alguém isento do uso dos velhos e costumeiros “bordões”. Todo mundo utiliza-se de bordões; seguramente, sim. Mas não me refiro, aqui, aos porretes de pau, aos cacetes de madeira. Não e não.

Os bordões de que falo são as maneiras engraçadas contidas em frases pré-moldadas e reiteradas na comunicação humana. Os humoristas, pelo rádio e televisão, são useiros e vezeiros em cultivá-los. E um humorista, comediante, locutor esportivo, algum tipo caricato do teatro, até mesmo o palhaço que a eles, bordões, não recorrerem já estarão mortos e sepultados.

Do dicionarista Aurélio Buarque, escolho esta acepção que bem define o bordão que pretendo realçar: “palavra ou frase que se repete a cada passo na conversa ou na escrita.” Vira e mexe, na conversa, inclusive dos artistas, com graça ou, por vezes, enchendo a paciência do ouvinte, lá se nos vem o petardo frásico insistente.

Você cria uma fórmula, entre mágica e engraçada, de repetir uma mesma ideia, quase sempre em tom de pilhéria e/ou em tom jocoso. Acho que é isto mesmo: um dizer reiterado, que se pode repetir em número ilimitado de vezes, resultando em algum gracejo ou em algo pejorativo. O bordão que me vem ao caso é aquele que fixa, de uma vez por todas, o que se quer exprimir, num joguinho malandro de palavras. E, como todo mundo, eu também já me vali de bordões, até inconscientemente.

Em tempos que já lá se vão, costumava apreciar a leitura de um livro cuja psicologia prática empregada, para rechear a cachola do leitor, era bastante bajulatória. Notava isto, mesmo assim eu gostava do diacho do livro. Chama-se “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, de um ianque, Dale Carnegie, que tenho, cá, já em segundo volume, que o primeiro que possuí na vida, todo anotado e comentado, me levaram na melhor boa. Esse livro vendeu milhões, no mundo inteiro, só perdeu para a Bíblia.

De graça, bobamente, à época em que o tinha como tomo de cabeceira, sem mais nem menos, desejoso de ajudar a outrem, ou já oferecido para tal, eu sapecava nas ouças do meu interlocutor: “– Em que lhe posso ser menos inútil?” Ainda nem atinava no que fosse um bordão, mas aquilo era um, que eu empregava sem nem saber. A frase não estava no livro do Carnegie, mas suponho que me nasceu de lá. Ou teria ouvido não sei onde.

Aquele conhecido homenzinho do humor mexicano, o Chávez, tem um bordão que pega fácil na linguagem de adultos e crianças, sobretudo na linguagem destas. Escreveu e não leu, na hora “h”, após uma rata a mais cometida, lá se vem o Chávez: “– Foi sem querer, querendo!” Só como exemplo, isto aí é um tipo de bordão. E eu sem tempo para ver tevê, minha filha, ainda pequena, lá pelos quatro anos em diante, me tirava do sério e vinha com esta para mim, quando ela fazia um mal feito: “– Foi sem querer, querendo!” E eu me danava com o atrevimento da menina. Coisa assimilada, claro.

Outra personagem nossa, bem conhecida, nacionalmente, do programa “A praça”, exibido há longos anos pelo SBT, é a “Velha”, ao que parece hoje encenada pelo Marcelo de Nóbrega. A Velha emprega no seu texto de voz uma cadeia de bordões, com destaque em: “– Não se irrite!” e “– Só gosto de tudo bem explicadiiiinho, nos seus míiiiinimos detalhes!” Ao que o gajo que contracena com ela, fica por aqui, tiririca de raiva.

Por falar em Tiririca, futuro depufede laureado pelo eleitorado paulista, ele é bom no uso de bordões. E, como é um ‘tapado’, cujo texto não nos influi nem contribui, com meia dúzia de vocábulos, então ele abusa da repetência de pedaços de frases as quais nos dão formato de bordões. Mesmo quando se mete a gravar umas coisas, que ele e o público dele atribuem ser música, chovem-nos repetições insossas: “abestado”, “mamãe”, etc. Mas lhe tiremos o chapéu. O homem vai ser depufede, e daí? No Brasil é assim: quem não sabe fazer, vira o próprio humor, na política. Mas não é somente ele, ou é? Só na Câmara Alta já existem 503, fora os do Senado.

Lá em tempos d’antanho, eu ia muito à praia do Pecém, no litoral oeste de Fortaleza, cerca de uns cinquenta e quatro quilômetros. Aí, feito um parasita aburguesado, ficava semana inteira. Fiz amizade com o caseiro de um amigo, o Seu Edgar, aposentado do Banco da Amazônia. Com o gajo caseiro eu dividia minhas cervejas. Era o Maranguape, sempre de barba por fazer. Onde andará aquele um, hein? O Maranguape morria de me repetir, sem conta, o chavão / bordão / cacoete, quando o caso era admirar-se de alguma coisa: “– Homem, cristão de Deus!...” Isto eu achava um bordão formidável, até por me sentir mais e verdadeiramente um cristão.

Os personagens do humorista cabeça-chata Chico Anysio talvez sejam, na dramaturgia nacional, os mais ricos na utilização de bordões; às vezes, com uma única palavra, como é o caso de Seu Popó, com aquele raivoso “idióoota!” Mas não é só. Há, com vantagem, inúmeros personagens do Chico que manejam bem com os bordões. Seu Pantaleão, o mentiroso, com aquele “É mentira, Terta?”, é um espetáculo. E sempre a martelada, a seguir, também bordão de primeira, de dona Terta: “– Verdaaaade!”

Também os personagens do Dias Gomes, na novelística, sobretudo o coronel Paraguaçu (Paulo Gracindo) e o Zeca Diabo (Lima Duarte), estes possuem farto cabedal de bordões engraçados. Sinhozinho Malta (Lima Duarte), que contracena com a Viúva Porcina (Regina Duarte), na novela “Roque Santeiro”, notabilizou-se com aquele: “– Tô certo ou tô errado?” E isto ele dizia a sacolejar o braço, cheio de pulseiras e penduricalhos, enfatizando pose e saboreando o palavreado.

Bordões de pau, os cajados de arrimo, os porretes, todos estes podem ser ótimos para bater em cabra safado, mas o bordão, como recurso de estilo, no dizer-se mais expressivamente um texto, por menor que seja, é infinitamente mais eficaz do que uma chibatada no quengo de um safardana. Adoraria ter tido a criatividade de me dar bem com outros e diversos bordões, os recursos comunicativos. Afinal, quem não os utiliza, vez ou outra?

Fort., 08/11/2010.

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(*) Há de um tudo, no São Google, acreditem. Pensava que, com esta crônica sobre "bordões", estaria sendo original. Um dia após a postagem, eis que dou no Google, por acaso, com um montão de bordões famosos, os mais variados. Não os conhecia, antes. Fui, portanto, original em termos, posto que desconhecia a fartura apresentada, lá. Então, vocês devem ir ao Google, um primor inclusive de gente que já citei no texto, como o Chávez e a patota dele. Abraço em todos, quinta-feira, 09 de dezembro. GS

MAIS BORDÕES [ARTISTAS, PERSONAGENS, FAMOSOS]

1- "Aí eu vi vantagem" - Dado Dolabella, in “A Fazenda”.

“Avante, Vingadores!” - Capitão América, eterno líder dos “Vingadores”.

2- “Digo-te não!” - Thor, o deus nórdico do trovão.

3- “Espada Justiceira, dê-me a visão além do alcance!” - Lion- o líder dos “Thundercats”.

4- “Eu tenho a força!” - He-Man.

5- "Glu, glu" e "Yeah, yeah": Sérgio Mallandro, TV e in “A Fazenda”.

6- “O bicho vai pegar/Tá pegando” - Britto Jr., em todas as edições de “A Fazenda”.

7- “Para o alto e avante!” – Superman.

8- “Pela união dos seus poderes, eu sou o Capitão Planeta! (Vai, Planeta!)”

Capitão Planeta e “Os Planeteiros”.

9- “Que a Força esteja com você.” - Os Jedi de “Star Wars”.

10- “Super-Gêmeos, ativar!” - Zan e Jayna, os Super-Gêmeos da série animada “Super-Amigos”.

11- “Tá na hora do pau!” - Coisa, integrante do “Quarteto Fantástico”.

12- “Tchu tchu rock and roll” - Theo Becker, in “A Fazenda”.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 08/12/2010
Reeditado em 14/12/2010
Código do texto: T2660261
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