Para que serve a Poesia?
 
Feita assim de supetão fiquei um pouco embasbacada sem saber o que responder. Principalmente porque a pergunta não veio assim arrumadinha, veio mesmo foi no afrontamento de um “pra que serve isso?” Quando me aproximei vi que o isso se referia a pedra que apareceu no caminho de Drummond. Isso é um poema, esclareci firmando o isso com o tom mais grave de minha voz e, mais ainda clareei ao classificar o seu autor como sendo um dos maiores poetas da Língua Portuguesa de todos os tempos.

Aí o garnizé do peito estufado a minha frente decidiu que era chegada a hora do confronto final e me encarando olhos nos olhos foi logo se atrevendo a ser herege: Pois então me diga: se isso é um poema escrito pelo maior poeta e só fala de uma pedra no meio do caminho – para que serve afinal a poesia?

Ah, pensei. Fedelho de uma figa. Mal sabe que jogou o sapo velho em uma lagoa. Vou lhe contar  direitinho para que serve a poesia. Mas logo fui lhe avisando que minha resposta nada tinha a ver com conhecimento literário e sim com sentimento porque para mim a poesia é antes de tudo a expressão de um sentimento que provoca a explosão de outros sentimentos. Assim é que sua feitura advinda de um sentimento,  provocava no outro, o leitor, a explosão de outro sentimento, não necessariamente o mesmo. O debochado riu dizendo que com tanta pedra o que poderia ocorrer além de uma explosão seria uma avalanche. Mas não lhe dei trela e contei-lhe que seu pensamento pegara carona em pensamentos de cérebros bem maiores e melhores do que o dele pois desde o aparecimento do poema tentaram descaracterizá-lo como tal, o que não muito adiantou porque certamente é um dos poemas mais conhecidos de nossa língua e mais traduzido para outras línguas. Além do que, continuei, penso como Lorca que disse ser a poesia o impossível feito possível.

Não tendo sido eu nunca, professora de Literatura, temi pela aula que planejava dar ali. Mas não hesitei quando perguntei ao fedelho empoleirado se conhecia um significado simbólico que pudesse ser dado a palavra pedra. Vi que acertei quando percebi seu olhar de esguelha e seu riso torto: empecilho, obstáculo. Nesse momento eu percebi que tinha ganho a batalha para fazer o iletrado no mínimo um respeitador das letras. Continuei no mesmo diapasão: e para caminho? Ele disse estrada e como eu continuasse olhando fixo para ele sem dizer que sim nem que não, a resposta veio rápida: vida. E posso garantir que seus olhos brilharam com uma centelha divertida, que escapa daquele que percebe que está perdendo a batalha, mas que no final vai ganhar a guerra.

Então pedi-lhe que lesse a primeira estrofe e assim o fez monocordiamente e eu o secundei com minha leitura agradável de quem há anos trabalha com a palavra falada.

No meio  do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
 No meio do caminho tinha uma pedra.
 
Pedi lhe então que procurasse em sua curta vida um obstáculo que o impedira de seguir a frente e que pensando nesse obstáculo refizesse a leitura. Pois assim como foi pedido foi feito e eu juro que vi em seus olhos verdes uma sombra cristalina.  Não, eu nunca pensei que seria tão fácil, mas antes que eu pedisse ele leu a segunda estrofe.
 
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.
 
Quando acabou ele fechou o livro e levantou-se meio sem jeito, evitando me encarar e saiu de fininho, falando: Valeu, fessora.

E eu, mesmo sabedora de que suas retinas ainda não eram tão fadigadas, pensei que enquanto ele vivesse se lembraria dessa tarde chuvosa em que compreendeu o que era poesia e para que ela servia.Sem que houvesse explicação em demasia. 08/12/2010