O Jornal

O Jornal

De manhãzinha,o sol recém nascendo e lançando seus raios sobre o jardim,te encontrava, mãe,à busca de uma das tuas paixões,o jornal.Encurvada,com duas fraturas vertebrais sem solução médica,pequenina,mal se equilibrando o procuravas e não adiantava eu dizer que o ia trazer para ti,te adiantavas.

Depois,na hora do café o lias em voz alta.Gostavas de o ler com alguém escutando.E,assim,eu sabia de todo o jornal,crônicas,política,notícias locais,esporte e mais teus comentários.Só passavas a crônica social,uma futilidade no teu dizer,homens ou mulheres pagando para aparecer como grandes figurões.Eu não precisava ler,te ouvia,deliciada.

Quando,anos mais tarde a terrível asma brônquica te atingiu e eram roncos pela manhã,sibilos, sufocação e eu a te nebulizar,o jornal ficava no colo à espera que a crise passasse.Mesmo assim,quando havia uma pausa na asma,voltavas ao jornal,já com voz baixa,suave,mal conseguindo ler,mas lias.Acostumei me,assim,a não ler o jornal,escutar,o qual recheavas com tuas interessantes idéias.

E foi assim,de manhãzinha,jornal ao colo,nebulizador na boca que te encontrei morta.O choque foi intenso,tinhas a boca aberta como quem quer respirar.A princípio não acreditei,mas depois a realidade venceu e percebi que tinha perdido minha leitora dos jornais e,sobretudo,minha mãe.

Não comprei o jornal por um ano,tristes recordações,mas agora procuro por um para assinar e começar a aprender a ler solitária o manuscrito,sem ter alguém com quem trocar idéias.O que me atrapalha ao comprar o jornal é a recordação desta mulher sempre bem informada que fazias questão de ser,embora as doenças te afligissem.Não sei para quem é pior a asma se para o asmático ou aquele que o cuida,toda a aflição,mas estou certa que é para o asmático..

Retomando a vida após tua morte vou voltar ao jornal,embora meio perdida entre as opções que tenho para assinar.Tu ficas como uma doce lembrança,incentivadora da informação e comentarista de primeira.

São nove horas agora,vou sair para comprar o jornal e desta vez vou ler a Crônica Social,para ver os Figurões,como os chamava.

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 11/12/2010
Reeditado em 11/12/2010
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