LER O LIVRO OU ASSISTIR AO FILME?

José Neres

A cena é mais ou menos a seguinte: o professor chega à sala de aula e recomenda (ou exige) a leitura de determinada obra literária. Os alunos, assombrados como se estivessem vendo um fantasma, começam a tentar dissuadir o mestre daquela tarefa insana. Uns alegam falta de tempo para ler. Outros, mesmo ainda desconhecendo o conteúdo do livro, dizem que a obra é muito chata. Todos trazem à tona a interminável crise econômica: “Livro é muito caro...” O professor, impassível e já acostumado com tais atitudes, mantém-se firme e determinado. Para acabar com a polêmica, o professor usa da frase mágica: “O livro vai cair na prova”.

Nada mais a fazer. O jeito é ler o maldito livro. Alguém sussurra lá no fundo da sala a frase salvadora: “Vou ver se já tem esse livro em DVD”. Alívio geral. Após o término das aulas, um bando invade a locadora mais próxima e, com o título do livro escrito na palma da mão ou em um papelzinho amassado, passa em revista prateleira por prateleira. Alguns alunos, menos dispostos a perder tempo, preferem logo abordar o atendente e fazer-lhe a pergunta: “tem o filme TAL”. Caso a resposta seja positiva, a sensação de alivio é imediata e os sorrisos brotam, desenhando em cada rosto um inegável ar de contentamento. Contudo, quando é um não que vem como resposta, é o ar de desespero que se apodera dos pobres infelizes.

Mas imaginemos apenas o caso em que a obra literária já tenha sido vertida para o cinema... De posse do DVD, o aluno (ou o grupo) sente-se vitorioso e muitíssimo inteligente. Está garantida a economia de tempo e de dinheiro. Para que gastar horas e horas diante de algumas páginas de um livro, tendo que forçar os neurônios e ainda recorrer aos dicionários, se em alguns minutos diante da televisão é possível ficar conhecendo toda a história contada pelo autor? Para que gastar dezenas de reais na compra de um livro que será lido, quando muito, apenas uma vez, se, com alguns poucos reais, é possível locar o filme? O problema está resolvido. Resta comprar a pipoca, os refrigerantes, reunir os amigos e, em uma sessão bastante divertida, conhecer o conteúdo de um livro e, depois, ganhar a liberdade para fazer o que quiser com a ilusão do dever cumprido.

É exatamente nessa sensação “do dever cumprido” que está um dos grandes equívocos e um dos grandes perigos dessa aparente facilidade de entrar em contato com textos literários sem recorrer à leitura dos livros. É preciso lembrar sempre que cinema e literatura não são termos sinônimos e, por melhor que seja um filme baseado em um texto literário, ele jamais conseguirá captar toda a inefável essência do texto escrito.

Como o trabalho literário trata geralmente a palavra de modo multifacético e impregna cada linha de um caráter plurissignificativo, deixa margens para diversas leituras e para múltiplas interpretações. Quando alguém leva para casa um filme baseado em um livro, estará entrando em contato não com o enredo original, mas sim com uma adaptação feita por alguém que leu o livro e que fez a chamada tradução intersemiótica, deixando, de forma consciente ou não, suas impressões e sua forma de ler o texto na versão levada para as telas.

Em prol de um dinamismo próprio do cinema, o diretor/roteirista procura o melhor meio de (re)contar a história e, para isso, em muitos casos, tem que alterar a obra original de forma bastante significativa. Claro que há filmes que tentam (e , às vezes, conseguem pelo menos em parte) manter certa fidelidade com relação à obra que lhe deu origem, mas mesmo assim, por se tratarem de duas linguagem distintas e que empregam métodos e dinâmicas diferentes, o trabalho audiovisual ainda não é capaz de substituir a contento a leitura do texto impresso.

Desse modo, os estudantes que acreditam que assistir a um filme baseado em um livro substitui a leitura da obra escrita estão equivocados. Mas não são poucos os alunos que, infelizmente, preferem viver apenas no irreal mundo dos enganos que parecem verdade.

José Neres
Enviado por José Neres em 17/12/2010
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