Slow Motion

Outro dia, lendo para meu irmão a crônica sobre "Outro elogia à loucura", nos lembramos da história de um de seus personagens: Manuel Sansão. Conhecemos Sansão pouco antes de morrer de cirrose, aos 38 anos. Ele fora um desses casos típicos que se tornou um ébrio por amor.

Nas rodas de conversa de buteco Sansão contava que nasceu na cidade mineira de Pirapora e lá viveu até os vinte e sete anos. Se formou profissionalmente como garçom e já era maitrê de um grande restaurante quando se apaixonou por uma beldade piraporana.

O romance avançava de vento em popa e Sansão já fazia planos para se casar quando descobriu que a menina também bailava em outros braços. Nosso bom rapaz se desesperou e procurou a Ponte Velha para um mergulho final. Sozinho, melancólico e amargurado buscou forças para o pulo quando o som automotivo de um Chevrolet possante passou tocando a seguinte melodia de Wanderley Cardoso:

Parece que eu sabia

Que hoje era o dia

De tudo terminar

Pois logo notei

Quando telefonei

Pelo seu jeito de falar

Eu nunca pensei

Quem eu tanto amei

Fosse assim me desprezar

Mas o mundo é grande

Vou nem sei pra onde

Alguém há de me amar

Já que terminamos

Só resta agora

O adeus final

Te amar demais

Ser um bom rapaz

Foi o meu mal

A falta de coragem, somada a beleza poética da canção dissuadiu nosso herói de seu pulo fatal e ele, que sabia para onde ir, veio dar em Belo Horizonte, na casa de seus irmãos. Chegando aqui mergulhou na bebida, deixou de ser garçom e por causa de sua grande força física alternava trabalhos de carregador, servente de pedreiro e pândego de butecos mal falados.

Ouvimos essa história dezenas de vezes da boca do próprio Sansão. Ele também fazia versos, levantava carros e contava piadas como ninguém. Nós ríamos muito, talvez por não saber que diante de nós ele executava o salto frustrado na Ponte Velha. O bom rapaz passou quase dez anos mergulhando profundamente na bebida. Um salto em câmera lenta.

Norma de Souza Lopes