PRECISO ME APAIXONAR !

- Preciso me apaixonar, urgentemente! Não outra paixonite qualquer, de fim de estação. Não! Quero um amor como escreveu o poeta: imortal e infinito. Procuro a mulher que não se enfade dos meus 'eu te amo'; e igualmente não esconda seu bem-querer por mim, entre abraços e beijos repitindo o tempo todo 'eu também te amo'. Rasgou assim o verbo, dois palmos próximo da minha orelha, aquele amigo, sentados que estávamos à mesa do movimentado Bar do Canedo – servidos pela cerveja mais gelada e o feijão tropeiro de melhor tempero do interior de Minas! Prestando-se atenção, no recinto de um bar se contam mais descontraidamente os segredos, que no divã. Razão tinham os romanos: "in vino veritas". Que no meu português caipira virou: 'umas pingas na cachola e se entrega o jogo.'

- Alguém fora desta correria diária em busca de grana; que não se importe de passear comigo de mãos-dadas, na rua, e defronte um jardim florido se desmanche em dengo e charme por eu roubar uma rosa e enfeitar-lhe os cabelos. Que conte piadas. Acredite nas mentiras com que oculto trapaças. Me tome as chaves do carro, ao voltarmos das noitadas. Revele sonhos. E se na rede da varanda embalo a tarde cantarolando A Cúmplice, do menestrel Juca Chaves, ela faça corinho: “Eu quero uma mulher, que seja minha amiga, amante, confidente, a cúmplice de tudo... que morda os lábios sempre que for me abraçar, de dia uma menina, de noite uma mulher.”

- Alguém que jogue as almofadas do sofá no piso da sala de tv, e depois coloque no vídeo um filme nacional – que não precisa de legenda! Se estiver frio assistiremos envoltos no mesmo edredom. Mas se fizer calor, ainda mais agarradinhos, as roupas atiradas pelos cantos, por graça representaremos a cena final...

- Alguém que invente apelidos para mim, ou se emburre de mentirinha, quando eu lhe chamar de 'Lagartixa'. Peguenta! E não sendo noite de nada, úmida de inebriantes perfumes vista uma camisola vermelha – de minúsculas peças íntimas, coloque a máscara da mulher-gato e à média-luz amarre minhas mãos para trás, exigindo que lhe desnude o corpo com os lábios... E ao final de tudo, os cabelos ainda molhados do banho passe um café fresquinho, enquanto corro na lanchonete da esquina trazendo quitandas e chocolates.

- Alguém que com lágrimas contidas e sem escândalos cerre meus olhos, na despedida final. Pois nem do maior amor vivido se leva algo para o outro mundo! Até porque o lado de lá é uma ilusão! Apenas aqui se pode amar incondicionalmente. Como foi o caso da Ritinha e o Zé-mata-feio – tipos populares de Bom Despacho. Barba sempre por fazer, roupa espandongada, picareta, pá... O Zé furava cisterna, cavava túnel de garimpo... Semana que dava em veio rico trazia o tesouro, no fundo de um saco de aniagem, para vender ao Luiz Cristaleiro; dali, passando no Armazém do Gatão fazia sortida e farturenta compra do de-comer, pra família. Semana que o cristal virava cascalho não ia além do Bar do Xavier, afogando lá mágoas e desditas da vida. Até que de-noitão, a Ritinha – com a barriga outra vez inchada –, um menino engarranchado nas cadeiras, outra puxada pela mão, e mais alguns em fila de procissão vinham buscá-lo pra casa. Mas com ternura e amor desmesuráveis, nos gestos e palavras.

- Hoje, a conta é minha! Foi só o que me deixou dizer o amigo, virada a meia-noite. Faz sete dias, não recebo notícias dele ou de sua possível paixão arrebatadora. Contudo não me aventuro em telefonar, indagando. Conheço-lhe o gênio. Vai que esteja curtindo a lua-de-mel: “- O dia tem 24 horas! 1440 minutos! E você liga justo agora, seu filho da...” Berraria ele, comprometendo a horna da senhora minha mãe!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 17/12/2010
Reeditado em 20/05/2012
Código do texto: T2677830