Papai Noel morreu

Bem jovem descobri que São Nicolau foi usurpado para virar uma das estratégias comerciais da Coca-Cola. Como comecei a trabalhar na adolescência não esperava o vetusto com meias atrás das portas porque eu mesma comprava meus presentes. Talvez por isso preferi crescer cantando o "Papai Noel velho batuta" dos Ratos de Porão.

No entanto isso só durou até meus filhos começarem a pedir que eu enviasse cartas ao velhinho. Como pedagoga eu já havia aprendido que ninguém deve tirar de uma criança sua capacidade de fantasiar. Tornou-se imprescindível para mim esperar acordada com eles a chegada do Papai Noel, ver sua vigília frustrada pelo sono e principalmente me alegrar com eles ao encontrar os presentes no dia seguinte. Dividir isso com meus filhos me reconciliou como ancião escarlate.

Mas o fato mais significativo para minha reconciliação com esse símbolo natalino foi a existência de um senhor bem idoso que em nosso bairro fazia às vezes de Papai Noel. Todo natal ele saída distribuindo balas e pequenos presentes para as crianças da redondeza. Ele não se furtava a nada. Era um Papai Noel completo, com vestes, barba e saco de presentes. Era interessante vê-lo perguntando a todos se eles haviam se comportando bem. Mas era sublime ver os pequenos contando seus pequenos furos de comportamento e prometendo se comportar melhor.

Com o passar dos anos a quantidade de presentes foi aumentando. Os donos de padarias, supermercados e lojas contribuíam para que mais crianças recebessem presentes. O que antes eram uma distribuição de quarteirões passou a ser uma partilha de bairro inteiro. As crianças que eram beneficiadas sabiam quem era o Papai Noel e sabiam onde ele morava. Nada de pólo norte. Era comum ver crianças passando em frente a casa do bom velhinho apontando-a como a casa do Papai Noel.

Contudo a idade avançada desse senhor culminou com sua morte e as crianças do bairro tiveram que lidar mais cedo com a inexistência do Papai Noel. O velório e o enterro foi coroado por pelo pranto de dezenas de crianças. Nós chorávamos juntos por que sabíamos do medo de todas elas. Elas temiam na verdade que o natal fosse enterrado junto com o bom velhinho.

Norma de Souza Lopes