INTERRUPÇÃO

Os próprios acontecimentos ora traduzem alegria, felicidade intensa, ora uma tristeza incomensurável, e a alegria, muitas vezes, pode converter-se em uma tragédia inesperada.

Lembro-me de uma tarde já com o sol a esfriar. Eu estava sentada na minha cadeira habitual em frente à porta, de onde podia ver um trecho da rua e o meu carro estacionado em frente ao portão.

Encontrava-me absorta em uma leitura. Foi quando ouvi uma pancada na capota do carro: pum! Olhei, pensando tratar-se de alguma fruta caída da árvore existente na calçada da minha casa. A época era propícia à floração e à frutificação desse tipo de vegetal.

Enganei-me redondamente. Era um casal de pássaros azuis, lindíssimos. Provavelmente, os dois caíram da referida árvore, na hora de um enfurecido amor. De súbito, levantei-me para olhá-los mais de perto, encantada com essa cena imprevista. Não sei o que realmente aconteceu, mas um deles desequilibrou-se e caiu de cheio no asfalto.

Por azar, na mesma hora, não sei como, surgiu um gato, tudo indica, esfomeado, e abocanhou a infeliz avezinha. Ainda apanhei um cabo de vassoura ao meu alcance a fim de salvar o inditoso amante e corri atrás do bichano. Havia esperança de que soltasse a vítima.

Com a ligeireza própria dos gatos, ele entrou em uma das casas da rua, e a dona também o perseguiu, mas o “dito cujo” enfiou-se, com pássaro e tudo, no meio das suas plantas. O certo é que, depois, saiu como se nada tivesse acontecido, e não mais se viu o pássaro azul.

Em contrapartida, uma revoada azul, da mesma espécie sobrevoou o carro, como se entendesse o que havia passado. Um deles ficou entoando, na árvore, um canto aflito. Provavelmente, o macho que perdeu a sua femeazinha ou vice-versa.

O certo é que a felicidade do outro se acabara no próprio instante que lhe prometera um mundo de ventura, e a simples ocorrência nunca abandonou a minha memória, daí tentar reproduzi-la no dorso dessa crônica despretensiosa.

O fato pode também insinuar que se morre de amor ou, também, amando. Tudo depende de uma palavrinha de cinco letras: SORTE.

ELIANE ARRUDA
Enviado por ELIANE ARRUDA em 19/12/2010
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