O Sonho ou pesadelo?

Já se aproximava às 23 horas do dia 31 de dezembro e Leitícia caminhava sozinha em uma estrada de barro escura no interior de Itaguaí. Em sua trajetória cercada de árvores iluminada pela majestosa deusa Lua e com cantar das aves noturnas, pelo cricrilar dos grilos, os rasantes dos morcegos, juntava-se às lágrimas.

Com seus 35 anos, viúva, sem filhos, pois estes morreram em um acidente automobilístico. Sua casa estava a uns 18 Kms da onde encontrava-se naquele momento. Uma mulher sozinha no mundo. Esta foi a sua decisão, a solidão. Depois da sua perda, nada mais fazia sentido. Tocava os dias pelos dias, sempre caminhando à noite, mesmo que esta estivesse nublada. Estava acostumada a fazer aquele percurso, quando sentia-se exausta havia uma birosca amiga para beber uma cerveja, um licor de aniz, um papo com Cremilda, esta dona do comércio.

Mas, esta noite era uma noite especial, sentia um aperto no peito, as lágrimas serviam-lhe de consolo e desabafo. Um vento aquecido, para não dizer quente, acariciava seu rosto pálido, fazia tremular seus longos cachos dourados, abrilhantados pela lua. Leitícia estava vestida de branco, uma nuance de brumas desfilando na escuridão. Deslumbrava o céu inundado de estrelas, estas faziam-se refletir em seus olhos marejados pelo sofrimento e a saudade. Sentia o cheiro do falecido amor, ouvia o gargalhar das crianças correndo pela sala iluminada pela vida e pelas velas odorizadas em longos castiçais de prata. Sentia o cheiro do assado ao forno, vinha-lhe o sabor do vinho tinto servido em uma taça de cristal. Tudo parecia-lhe muito real. Seu desespero interior fazia-a agonizar, soluçar esvaindo-se em lágrimas agridoce. Mas, ela continuava sua caminhada ao desconhecido.

Aproximava-se da meia noite, logo ouviria ao longe o estourar dos fogos e um novo ano seria iniciado e com ele a desesperança em seu peito, só havia mágoas e uma saudade mortífera. Leitícia estava próxima a birosca de Cremilda e não acreditava que esta estivesse trabalhando em plena véspera de ano novo. Mas, não custava-lhe nada tentar, afinal, o caminho era longo e solitário. Foi quando ouviu vozes e pessoas gragalhando com bastante intensidade. Ela achou que estava enlouquecendo, seguiu em frente e aumentou a passada, já encontrava-se curiosamente tentada a descobrir se era fato ou loucura. Não importava mais, ela queria porque queria.

Quão foi sua surpresa ao avistar a birosca toda iluminada por inúmeras tochas e vários cavalos branco atrelados à cocheira ao lado. As pessoas riam a valer empunhando copos e taças bebericando. Letícia continuou não acreditando no que assistia, achava-se dopada pela dor do sofrimento, esta tendo uma alucinação, nada daquilo poderia ser real.

Ao chegar, ai sim ela percebeu que tudo aquilo era real. Ela não estava louca, apenas assustada. Houve um breve silêncio, as pessoas não esperavam surgir uma mulher linda do nada, como se fosse um fantasma. Cremilda tratou de abraçá-la e fez as apresentações. Logo estava com uma taça empunhada saboreando o vinho de uma nova vida. Só ela que não sabia como as coisas iriam terminar.

As pessoas estavam radiantes, a energia que acerava as pessoas era muito positiva. Logo Leitícia sentiu-se totalmente à vontade. Mas, um pouco mais afastado havia um rapaz que não haveria de ter mais do que 26 anos, este, contemplava-a com olhar matreiro e guloso. Mas Leitícia nem percebeu que estava sendo observada e desejada.

Veio o foguetório, todos cumprimentavam-se eufóricos, sorridentes, felizes e mais, conviviam com um amor humano pouco visto no mundo atual. Mas, foi quando Daniel aproximou-se e foi em direção a ela, beijou-lhe a face e com uma voz aveludada desejou-lhe uma ano repleto de realizações e muita felicidade, em seguida deu-lhe um forte e amoroso abraço. Leitícia não sabia como agir, sentiu o coração palpitar, um frio subiu-lhe a dorsal e arrepiou-se de tal forma que chegou a tremer. Ela não sabia como agir e não queria largar o rapaz, pois as pernas bambearam, se o fizesse cairia ao chão. Sua respiração tornou-se ofegante e aquecida, mal conseguia falar. Todos observaram, mas continuaram a comemorar como se nada houvesse acontecido. Leitícia novamente sentiu-se mulher. Sentiu o volume do rapaz encostado em suas lindas pernas, bem próximo ao seu colo. Não resistindo à tentação acomodou-se de forma discreta, olhou para Daniel e presenteou-o com um olhar pedinte de amor. Assim afastaram-se com suavidade e destreza e puseram-se a conversar. Esqueceram do mundo. Pareciam estar sozinhos nas matas que os cercavam.

As horas foram passando e aos poucos as pessoas foram montando em seus cavalos e partindo em direção ao desconhecido. Parecia-lhe algo sobrenatural. Cremilda aproximou-se de Leitícia e presenteou-a com uma garrafa de vinho e duas taças. Desejou-lhe um ano repleto de realizações e disse-lhe para ficar à vontade, porém ela iria dormir. Na verdade Leitícia não sabia como agir. Daniel disse que a acompanharia até sua casa. Leitícia se fez difícil, mas, acabou por concordar.

Os primeiros indícios do amanhecer já demonstravam seu fulgor. De mãos dadas caminhavam pela trilha do destino, conversavam sobre a vida, ele fazia planos para o futuro, ela limitava-se a ouvir e sorrir. Estava enfeitiçada, totalmente entregue ao próprio destino. Foi quando Daniel visualizou um planalto de difícil acesso, mas, servir-lhe-ia com perfeição para assistir o raias do sol com paz e tranqüilidade. Assim iriam saborear o vinho com serenidade e afeto.

Chegaram rapidamente ao topo, parecia um leito de grama acercado com pequeninas flores silvestres que causavam um visual nada comum, ao fundo uma frondosa árvore. Pareciam estar verdadeiramente em um paraíso sobrenatural com um perfume esplendoroso, trata-se de: ”A dama da noite”. Uma flor que perfuma todo o ambiente durante toda a noite. Agora seria este mesmo perfume que encheriam aqueles corações de pureza e amor.

Encostados a arvore saboreavam o vinho e beijavam-se com intensidade. Aos pouco as mãos ousados começaram a descobrir com cumplicidade os detalhes mais íntimos dos seus corpos. Daí em diante só mesmo a imaginação de cada um poderá especificar o futuro dos acontecimentos, como e de que forma isto iria se desenrolar. Posso adiantar que a nudez e o atrevimento desprovido de pudor apossou-se do casal e...

No dia 2 de Janeiro, em sua caminhada Leitícia chegou a tal birosca e quão sua surpresa ao falar com Cremilda sobre a festa:

“Não teve festa nenhuma muié! Eu nem abri esta coisa, passei na casa do meurmão em Santa Cruz! Vixe! Tu tá variando em! Ô!!!!

O Bruxo

Bruxo das Letras
Enviado por Bruxo das Letras em 21/12/2010
Reeditado em 29/12/2010
Código do texto: T2684239
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