MACUMBEIRO DE ARAQUE
Segundo tradição oral o nome da cidade – Bom Despacho – veio de promessa feita por três portugueses, degredados nestes ermos. Com saudade do vinho e das cachopas de Trás-os-Montes prometeram eles que se repatriados por El Rey, aqui ergueriam uma capela em honra a Nossa Senhora do Bom Despacho, cultuada além mar. Ô, pá! Outra versão, também fidedigna, diz que a cidade foi assim batizada em razão de certo proceder trazido pelos escravos e bastante difundido, no hoje bairro da Tabatinga: a popular macumba, ou despacho! Saravá, mô fio! Por conta disto bom-despachenses são zoados: sempre se associa o nome à prática deste costume vindo da Mãe África. Um político local, de saco cheio com a gozação dos colegas na Assembléia de Minas, apresentou projeto de lei alterando o nome da cidade; que nada obstante mereceu solene descaso de seus pares deputados, sendo finalmente arquivado.
Não garanto que aqui ninguém não se envolva com estes “trabalhos”, digamos – espirituais. Quem fez a fama deita na cama! Taí o Maromba, um moreno retaco e morador na Tabatinga, que não me deixa mentir sozinho. Em casa ele possui todos os petrechos necessários aos ditos “serviços”. Mas jura de mãos-postas que é só por curiosidade, pois não domina os rituais de macumba. E se garante com um argumento razoável: “- Vai que baixe um Capitão do Mato, pra quem minha mandinga não tenha poder pra levar de volta? Tou ferrado!”
Contudo, a fama é que ele assim proceda por despiste: que nestes “malfeitos” quanto menos propaganda, mais garantido é o resultado! Mantendo aparência de sistemático, empurra pelas ruas da cidade sua velha motoca, enfeitada por bandeirinhas de times de futebol, como os rivais Cruzeiro e Atlético. O selim vazio atrai provocadores: “- Senta neste trem e acelera, Maromba!” De bom-humor ele retruca: “- Ficou doido, sô? Gasolina tá um absurdo de cara!”
Num feriado de meio da semana, em que o Fernando da Papelaria, o Marcão do Correio e o Gustavo da Eletrônica trocavam informações na Praça da Matriz – jeitinho mineiro que arranjei pra dizer que fofocavam. Eis que senão quando chegou o Tilico, meio de asa caída por conta do pé na bunda que lhe pregou a noiva, já corridos os proclamas! Pela carência, o não muito moço desprezado foi convencido pelos três amigos da onça, a encomendar ao macumbeiro da Tabatinga um despacho, assim desfazendo um “trabalho” com outro: se não trazendo a ex-noiva de volta, que encaminhasse uma nova namorada! Já no dia seguinte uma galinha preta, bem gorda, era deixada no seu terreiro... Mas sexta-feira, além de despachos nas encruzilhadas, aqui é dia (ou noite) de cervejas. Prático, o Maromba optou por afogar a penosa numa panela de pressão, que ofertá-la aos seres das trevas. Daí, ele mais os três conselheiros acima apresentados comeram a carne, até chupando os ossos, da infeliz ave sem a menor dor na consciência.
Alguns dias depois, estavam os quatro devoradores da galinha de despacho, novamente de papo na Praça, quando passou o Tilico de braço-dado com a Cléo Pires... de daqui a cinquenta anos! Pra ficar bem na fita o Gustavo quis elogiar: “- A coroa dá um caldo bom ainda, né Tilico?” Queimando no golpe, o romeu sem julieta exibiu um sortido repertório de palavrões. E de dedo no rumo do Maromba, fulminou: “- Ocê podia ter arrumado trem mais novo, pra mim!” Chamado nos brios o macumbeiro de araque se entregou: “- Queria o quê? A galinha era tão velha que gastei meio botijão de gás pra cozinhar ela!” Definitivamente, esta cidade não existe!