MEDO DA CHUVA...

(Noite de 26 de dezembro de 2010, ocorreu uma enchente assolou o município de Muqui e inundou parcialmente algumas ruas de Mimoso do Sul)

Medo da chuva... minha cidade, nas épocas de verão vive intenso medo da chuva, porque é uma cidade plantada em um vale, cercada de montanhas por todos os lados e as águas da chuva sem ter como rapidamente escoar, se acumulam causando enchentes ... é portanto comum, pelo menos uma vez por ano, perder tudo e depois reconstruir,... só não se perde o medo de quando o tempo fecha a cara , encobre de pesarosas nuvens o céu e desaba em constante e torrencial chuva de verão, transbordando os leitos, acampando de água lamacenta as praças, as ruas, os quintais, as casas, a alma do povo... Quando, seja qual for a hora do dia ou da noite, o sino da matriz soa insistente, o povo se agita e se solidariza e tenta sem demora salvar o que pode, mesmo quando o que pode é a sua vida.

Hoje, andando pelas ruas da cidade e vendo o resultado da enchente da noite passada, desviando aqui e ali dos entulhos trazidos pela água, vendo as pessoas retirando o barro e lavando suas casas, o carro pipa lavando as ruas... penso: que rotina triste!!!... Raul Seixas em sua música diz ter perdido o “ medo da chuva vendo as pedras que choram sozinhas no mesmo lugar...”

Eu sei que ele não falava de pedras nem de chuvas no sentido próprio das palavras, eram metáforas de pessoas que se acomodam em seu marasmo e seus preconceitos, em sua rotina e seus tabus... estagnadas no mesmo lugar imposto pela moralidade, a vida toda... mas eu, diante desse quadro triste e lamentável que meus olhos são obrigados a ver, reflito nessa música de outra forma, com o sentimento de quem experimenta ser “pedra parada no mesmo lugar” por não ter outra opção, por estar plantado nesse chão que ama, por não ter condições financeiras de buscar outro lugar,... seja qual for a razão vive-se intensamente essa dor e essa angustia...

Qual será, pois, “o segredo da vida”, inesquecível Rauzito, dessas “pedras que choram sozinhas no mesmo lugar...” ? o lugar é a cidade que amamos, é nosso chão, nossa identidade, as pedras somos nós, que lamentamos as perdas que cada enchente traz, mas que não nos arredamos daqui, porque somos parte dessa terra, somos filhos deste chão,... partículas de uma existência da qual não abrimos mão. Ser mimosense, é portanto ser pedra que resiste ao tempo, à chuva, ao vento, à erosão,... mas nunca desiste de existir, ainda que seja uma pedra bruta, ainda que seja aparentemente uma pedra de pouco valor, seu segredo da vida, de sua existência é permanecer, é a perseverança e a eterna vontade de ficar sempre no mesmo lugar, Mimoso do Sul...

(Irene Cristina dos Santos Costa - Nina Costa, 27/12/2010)

Nina Costa
Enviado por Nina Costa em 28/12/2010
Reeditado em 30/12/2010
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