JOGOS DE INFÂNCIA – Adivinhações/ Charadas/ Teatro de Sombra/ Cama de Gato/ Jogo de Palavras/ Passa o Anel.

Antes que estivesse consolidada a geração e distribuição de energia elétrica pela CHESF (Cia. Hidrelétrica do São Francisco) em Paulo Afonso/BA o abastecimento, muitas vezes precário, era feito pela Pernambuco Tramways & Power Co. Ltd. Firma inglesa concessionária dos serviços de bonde e de geração e distribuição de energia elétrica residencial e iluminação pública. Devido à demanda crescente, muitas vezes à noite, o fornecimento era interrompido, motivo pelo qual em todas as residências havia candeeiros a querosene, com pavio e manga de vidro. Lá em casa eu era o responsável pela manutenção desses objetos tão preciosos. Os reservatórios de combustível tinham que estar sempre no nível e os pavios com tamanhos adequados e as pontas aparadas a fim de evitar fumaça e fuligem.

Contra o cheiro desagradável nada podia ser feito. Querosene queimando fede que é um horror.

Os postes de iluminação pública eram raros e as lâmpadas incandescentes projetavam a luz amarelada a partir dos braços que sustentavam os pratos de ágata branca na face refletora.

O negrume da noite não permitia as brincadeiras na rua, então a família reunida, brincava de:

ADIVINHAÇÃO

- Em verdes campos nasci/ me prenderam em grandes laços/ aquele que chora por mim/ é quem me faz em pedaços. (Cebola)

Naquele tempo a cebola era comercializada em réstias, daí os grandes laços.

- Quem faz, não quer; quem vê, não deseja; quem tem, não sente. (Caixão de defunto).

- Somos dois irmãos no nome/ desiguais no parecer/ um em casa faz a cama/ outro caça o que comer. (Rede)

- N’água nasci/ n’água me criei/ se me botarem n’água/ me desmancharei. (Sal)

- Igrejinha branca, sem porta, sem tranca. (Ovo)

- Pasto grande/ gado miúdo/ moça formosa/ homem carrancudo. (O firmamento, as estrelas, a lua e o sol)

- Moramos todos na mesma rua, quando eu erro minha casa, todo mundo erra a sua. (Botão de camisa)

- O que é o que é? Que no mato tá batendo em casa tá calado? (Machado)

Quando os adultos não estavam presentes, essa resposta tinha réplica; (teu cu tá inchado) e a tréplica; (e o teu arregaçado) acompanhadas de muitas risadas.

- O que é o que é? Que salta prá cima e faz bé? (Cabra)

Essa também tinha réplica (você come o que ela caga) e a tréplica (e o que eu deixar, você acaba) acompanhadas de risos velados.

- O que é que cai em pé e corre deitado? (Chuva)

- O que é redondo, mas deixa o rastro comprido? (Pneu)

- O que é que cresce para baixo? (Rabo de cavalo)

- O que é que quanto mais se tira, maior fica? (Buraco de areia)

- O que devemos colocar na caixa para que ela fique mais leve? (Buracos)

- Como podemos transportar água numa cesta de palha? (Barra de gelo)

Eram tantas as adivinhações que dariam para encher vários livros...

CHARADA

Para decifrar charadas temos que substituir palavra ou expressões por sinônimos ou conceitos, com o número de sílabas sugerido a fim de satisfazer ao conceito da charada. Uma das mais interessantes que eu conheço é:

- “terra, terra, terra” 1 – 2 (pó + eira = poeira)

- “um olhar morto” 2 – 1 (cada + ver = cadáver)

- “por deus, tome o remédio” 2 -2 (juro + beba = jurubeba)

- “caminha a portuguesa atrás da espanhola” 2 – 2 (anda + lusa = andaluza) que é o adjetivo pátrio da mulher nascida em Andaluzia/Espanha.

TEATRO DE SOMBRA

Aproveitando a luz do candeeiro, projetávamos a sombra das mãos, de moldes vazados ou de objetos para fazer cachorros, patos, coelhos, urubu, veado mateiro, castelos, igrejas, peixes, monstros e toda sorte de figuras, que se adaptassem às historinhas que criávamos para justificar as imagens.

CAMA DE GATO

Esse jogo se faz com um fio comprido com as pontas atadas e entrelaçando nos dedos em diversas formas “cama de gato” ou “pé de galinha” ou “rede”.

Cada passada deve ser feita de um jogador para o outro.

Minha vó ensinava as passadas falando Guarany e quando errávamos, ela ria conosco e começava tudo outra vez.

(Na época eu entendia perfeitamente o que ela estava falando, hoje só lembro os números peteim, mocõe, morrapí, rundí)

JOGO DE PALAVRAS

Com papel e lápis à mão sorteávamos uma letra que seria a inicial para as palavras das questões: acidente geográfico, vulto histórico, deuses, comida, localidade, objeto, animal, etc.

Se a letra sorteada fosse “M” as respostas seriam – Monte, Matias de Albuquerque, Minerva, Mingau, Manaus, Martelo, Macaco;

se fosse “D”: Duna, Duarte Coelho, Dionísio, Doce, Diamantina, Dedal, Dromedário.

Geralmente jogávamos com oito quesitos, mas esse número pode e deve ser negociado entre os participantes.

Cada palavra vale dois pontos. Valerá um se outro jogador escrever igual. Se a resposta tiver duas ou mais palavras, dois pontos para cada uma delas. Ex: “Nome de homem” – Mário Melo (jornalista pernambucano) vale 4 pontos.

PASSA ANEL

Com um anel escondido entre as palmas das mãos um dos jogadores, passava as mãos entre as mãos postas dos demais e em dado momento soltava o anel, continuava até ter passado por todos e perguntava a um dos jogadores. – Com quem está o anel?

Se acertasse iria passar o anel, se errasse pagava uma prenda.

Havia noites em que ninguém queria brincar de coisa nenhuma. Noite chata, sem nada para fazer.

A distração era observar a movimentação dos animais noturnos, principalmente no período chuvoso quando as mariposas invadem as salas iluminadas e as lagartixas de parede tentam garantir o jantar. Ainda hoje, tantos anos depois e sem o candeeiro fedorento, fico encantado diante desse espetáculo natural motivo pelo qual o agradecimento que fiz na monografia de conclusão do Bacharelado em Biologia teve a seguinte redação:

Na noite iluminada por candeeiro, a mariposa escapa novamente do ataque da lagartixa de parede (Gekko gekko) cujo ventre translúcido deixava entrever os ovos leitosos em formação.

Em novo ataque a mariposa escapa outra vez.

Frente a frente, presa e predador se avaliam na obscuridade da sala. Não sei dizer quantas foram as tentativas frustradas, pois o vôo da mariposa terminava sempre numa distância segura e de frente para a predadora.

Em dado momento a lagartixa se esgueirou em semicírculo até sair do foco de visão da mariposa.

O bote certeiro garantiu o jantar da lagartixa e deixou-me a férrea convicção de que as estratégias de caça e fuga são resultado de raciocínio lógico.

Esse fato ocorrido quando eu tinha uns doze anos de idade, aguçou meu interesse pelos outros animais e o mundo que nos cerca.

Àqueles dois pequenos animais e a todos os outros seres dos cinco Reinos que de alguma forma contribuíram para o aumento do meu interesse pela História Natural e na realização deste trabalho, meus sinceros agradecimentos.

(Continua em Agradecimento)