Antigamente era assim

Dias destes uma jovem ficou admirada ao ler um dos meus contos, onde eu dizia que entre 1960 a 1980, quando ainda imperava a famosa Ditadura Militar, a polícia vivia dando batida até em procissão de domingo de ramos. Tudo para eles era motivo para enquadrarem o sujeito por vadiagem ou comunismo. E documento eles só aceitavam um; a carteira profissional assinada. Identidade, título de eleitor, reservista ou qualquer outro documento, que não fosse a profissional, eles não aceitavam de maneira alguma. Era um tormento ter que andar com aquele gibi no bolso para baixo e para cima o dia todo. E não tinha teretetê e nem balangandã. Se o cidadão não apresentasse a profissional comprovando que ele trabalhava pode ter certeza que entrava em cana. O pior de tudo era a canseira que o infeliz tomava ali no xilindró junto com mais um monte de machos na mesma situação que ele. Algum parente tinha que ir até a delegacia levar a bendita profissional para o delegado examinar, e como era de costume, o que ainda não mudou muito nos dias de hoje, esse parente que, na maior boa vontade, ia até lá tentar libertar o detido era humilhado e desrespeitado por todo mundo. Era um abuso de autoridade imensurável. Até o faxineiro dava uma de rei ali dentro. Policiais sem o menor preparo profissional e muitos deles completamente desajustados psicologicamente faziam parte desse circo armado nos bastidores dos anos de chumbo.

Se o cabra chegava e cumprimentasse as autoridades ele era taxado de insolente e desrespeitador. Se ao contrário, ele chegasse e não cumprimentasse ninguém, era então taxado de folgado e comunista. E o pobre do cidadão era obrigado a ouvir um monte de pedregulhos e ficar quietinho, caso contrario com certeza levaria um catiripapo no pé do ouvido.

Todavia, pondo um pano em cima disso tudo, tinha também as partes boas. Eles exigiam a profissional porque só ficava desempregado mesmo quem realmente era vagabundão. Serviço naquela época o pessoal dava-se ao luxo de escolher. Ninguém ficava mais que uma semana desempregado.

Roubo, assalto ou furto quando acontecia gerava comentário para o ano todo. Andávamos pelas ruas a qualquer hora da noite e o único medo que nós homens tínhamos era o de assombração e as mulheres de tarado.

Droga então, o pessoal nem sabia o que era. Lembro-me que quando surgiram os primeiros usuários de maconha eles eram descriminados por todo mundo e quem a usava fazia de maneira bem escondida. Quando a polícia pegava um deles dava dó de ver o sujeito apanhar. O infeliz era jogado para dentro do camburão todo arrebentado e às vezes por causa de uma simples baganinha ficava mofando por um bom tempo na cadeia.

Muitos crimes que acontecem hoje, naquela época o indivíduo era enquadrado como terrorista e na maioria das vezes sumiam com o sujeito para sempre.

Na verdade não sei ao certo o que era melhor. Aquela ditadura danada aonde o respeito vinha acima de tudo, e ao o cidadão só restava duas opções: ou andava na linha ou andava na linha. Porém não lhe faltava emprego e nem moradia. As pessoas, assim que começavam a trabalhar, não demorava muito e já conseguia no mínimo comprar um terreno para construir a sua casa. E dentro dessa sua casinha ele, nas noites quentes de verão, dormia com as janelas abertas. As portas na maioria das casas eram fechadas somente com uma simples tramela, que era para impedir que o cachorro entrasse na cozinha durante a noite, e apenas uma frágil cerca de madeira protegia a casa dos perigos que na verdade naquela época não existiam.

Ou será que os dias de hoje são melhores. Nós agora não temos mais a famosa ditadura. Com muita luta conseguimos a implantação da democracia. Hoje não é mais preciso andar com a profissional no bolso. Hoje o cidadão não entra mais em cana só porque está desempregado e muito menos por estar fumando uma simples baganinha ali na esquina. Os direitos humanos conseguiram muita coisa a favor de nós cidadãos. Algumas agressões contra a disciplina do regime que naquela época eram considerados ato de terrorismo e que o sujeito pensava um milhão de vezes antes de cometê-lo, hoje já não é mais.

Todavia pergunto: será que tudo isso valeu a pena? Será que a liberdade democrática de hoje é melhor que a liberdade vigiada de ontem? Só quem viveu aquela época e que poderá responder!

Não sei se meu finado pai estava certo ou não. Só sei que ele vivia dizendo que quem não gostava de tudo aquilo eram os vagabundos e os baderneiros, e que ele sentia uma saudade danada daquele tempo. Sei lá, eu acho que ele exagerava um pouco.