PASSARINHO, PASSARÃO

No filme “O Curioso Caso de Benjamin Button” a narrativa obedece uma trajetória pouco habitual – parte-se da morte para o nascimento do personagem: engenhosa ficção! No cotidiano da vida vai-se de criança para adulto. Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, entretanto, fez assim antes. Tanto na literatura quanto no cinema tudo é permitido! Qualquer de nós em situações semelhantes às do livro e do filme vivenciaria experiências inesquecíveis. De cara Brad Pitt-Button diz: “Eu nasci em circunstâncias incomuns.” E Brás declara sua estória como “galante”...

Além de jatobás e cagaiteiras madurando no cerrado (nenhuma fruta do mato possui aroma-perfume tão penetrante, nem é mais indigesta que cagaita), agosto e setembro trazem milhares de andorinhas, vindas das estranjas para aqui chocar seus ovos-filhotes. Ave urbana é razoável que faça ninho embaixo do telhado. Pequenina, graciosa, cativa ela pelo canto gutural, que no português dos diplomados se diz chilreio! Andorinha, pois, chilreia. Como burro zurra. Camelo blatera. Cronista bissexto... (deixa pra lá!). De plumagem branca no peito, tem asas e costas de negro quase definitivo, que ao sol transluz-se em azul de mar abissal. Sem nacionalismo tupiniquim barato: nossos periquitos verde-amarelos são mais bonitos! Contudo...

Abaixo do telhado escolhido pela andorinha para fazer seu ninho, a casa toda fica abençoada! Questão de crença popular sobre a qual, bovinamente, não tujo nem mujo! Pela manhã e à tarde, alvoroçadas, voam seu balé de namoros e acasalamentos; não consegui contar quantas se hospedam sobre a laje da minha casa, neste final de primavera. Todavia, de uns dias para cá tenho ouvido pipios de filhotes pedindo papinhas. E não é que justo agora, um casal de periquitos – tão bonitinhos, quão barulhentos – atacando covardemente o berçário das aves-turistas devora-lhes os filhotinhos? Como disse a mim o caseiro do sítio: “- Periquito é mais pior do que erva-de-passarinho. Toprófo! Dependendo a fome até os filhos deles mesmos, os danados comem.” Perdida a conta dos meus fevereiro-aniversário, continuo obtuso a ponto de na peleja do franco contra o forte tomar o partido dos coitadinhos!

Atravessei a cidade no carro e fui a um supermercado, onde funcionários não me conhecessem, para comprar um estilingue! Devo estar pior do que aparento. Um close no fato e vê-se que caso fosse escravo no Brasil imperial me beneficiaria com a Lei dos Sexagenários! Não é de hoje que político faz bolo de fubá, com o milho dos eleitores. Crueldade: se a média de vida do brasileiro branco naqueles idos de Dons Pedros, mal chegava aos quarenta outonos, quantos escravos a Lei remiu? Eles, de quem se duvidou possuir almas? Na volta de onde nunca saí, isto é, correndo risco de ser internado no Pinel – hospital para malucos –, caso parentes suspeitassem de minhas intenções assassinas, tentei comprar longe o tal estilingue com que, justiceiro, mataria os periquitos devoradores de andorinhas.

De coração partido, à entrada ignorei as sorridentes vendedoras, para despistado, ao fundo da loja, na seção de caça e pesca perguntar em meio tom ao vendedor atarantado: - Aqui tem estilingue pra vender? Mudo ele arregalou os olhos, como se eu parecesse um destes doidos varridos, ou falasse em chinês. – Estilingue. Detalhei paciente. Aquele brinquedo que menino usa quando vai caçar passarinho no mato. Uma forquilha (de galho de jabuticabeira, ou goiabeira, que verga e não quebra) onde se atam duas tiras de gomas cortadas a câmara-de-ar de pneu de bicicleta, e tendo no outro extremo uma concha de couro para ajeitar a pedra.... Petrificado, querendo livrar-se do freguês insano, o atendente gaguejou ríspido: - Pneu de bicicleta não usa câmara-de-ar, mais não!

Para Ana Flor do Lácio, que se delcara apreciadora destas crônicas.

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 01/01/2011
Reeditado em 25/08/2011
Código do texto: T2702503