Os fantasmas de Queensferry

Na Bienal do Livro de 2010, realizada em São Paulo, no Pavilhão de Exposições do Anhembi, tive o prazer de conhecer o Senhor Richard, um rapaz de quase trinta anos, de nacionalidade Britânica, e que estava de férias aqui no Brasil. Fomos apresentados por uma amiga que estava fazendo o lançamento do seu livro em um dos estandes da feira. Richard, que morou algum tempo em Portugal, e que por essa razão fala razoavelmente a nossa língua, convidou-nos para um café em uma das lanchonetes do Pavilhão.

E enquanto tomávamos o café, entre um assunto e outro, ele nos confidenciou ter trabalhado alguns meses na empresa Balfour Beatty, responsável pela manutenção da ponte ferroviária Firth of Forth.

Localizada em Queensferry, a poucas milhas do leste de Edimburgo, Escócia, a "Firth of Forth" é marcada por se encontrar sobre águas bastante profundas, com mais de 65 m de profundidade, o que tornou impossível um projeto baseado em uma série de pilares ao longo de sua extensão.

Sua construção teve início em 1883 e foi concluída em 1890, e no momento de maior atividade, aproximadamente 4.600 pessoas trabalhavam na ponte. Inicialmente reconheceram-se 57 mortes durante a sua construção, mas as investigações históricas recentes elevam este número a 98, e centenas de trabalhadores ficaram inválidos ou mutilados após graves acidentes.

Em 2005, o Grupo de História de Queensferry iniciou um projeto para instaurar um memorial dedicado aos falecidos durante a sua construção.

Ainda que os comboios modernos provoquem menos tensões sobre a ponte que os antigos comboios a vapor, a ponte segue precisando de manutenções constantes, o que na atualidade é realizado pela empresa Britânica Balfour Beatty, subcontratada por Network Rail.

E o Richard nos contou que em seu primeiro dia de trabalho, o engenheiro chefe o levou de elevador até o ponto mais alto da ponte, a mais de cem metros de altura, para que conhecesse de perto todos os perigos que iria enfrentar durante a sua permanência na restauração da ponte

Richard nos confessou que a princípio é realmente assustador trabalhar a uma altura daquelas, porém com os passar dos dias a pessoa vai se acostumando.

Um fato que lhe chamou a atenção, e que assim que teve oportunidade perguntou ao seu encarregado, foi perceber que todos os operários trabalhavam com coletes salvas vidas. Ele indagou o porquê de todos trabalharem com os coletes salva vidas se a uma altura daquelas, a mais de cem metros do leito do rio, caso alguém despencasse lá de cima não teria chances alguma de sobreviver?

----O colete salva vidas -explicou-lhe o engenheiro chefe- realmente não tem utilidade alguma para te proteger da morte se por ventura você cair no rio, que em certos pontos chega a ter quase 70 metros de profundidade, mas todos nós somos obrigados a trabalhar com ele que é para que, em caso de você vir a despencar daqui de cima, nós possamos te resgatar das águas facilmente e entregar o seu corpo o mais rápido possível para a sua família.

Durante os dias que se passaram ele foi se familiarizando facilmente com o serviço e fazendo amizade com os outros operários que, assim como ele, dormiam todos nos alojamentos próximos a obra e somente aos domingos eram liberados para passearem e fazerem compras no centro comercial de Queensferry.

À noite juntavam-se a volta de uma fogueira onde permaneciam o mais tardar até dez ou no máximo onze horas da noite, quando então tocavam as sirenes e todos se recolhiam para os seus aposentos, pois sabiam que teriam que levantar-se cedo no outro dia.

Eram muitas as histórias que envolviam as tragédias ocorridas durante a construção da ponte. Muitos afirmavam ouvir gemidos e maquinários sendo ligados e desligados constantemente durante a noite quando não havia mais ninguém trabalhando lá no alto.

O próprio Richard afirmou ter ouvido vozes e barulhos estranhos vindos daquela direção, e que ao certo não sabia se era arruaceiros zanzando bêbados próximos a ponte ou se realmente era os gemidos das almas dos pobres infelizes que pereceram ao caírem nas águas intepestuosas do rio. O engenheiro chefe dizia que tudo não passava da imaginação fértil das pessoas, que confundiam o barulho incessante do vento com gemidos de almas penadas.

Às vezes antes de deitar-se ele e mais alguns operários ficavam conversando por alguns minutos do lado de fora do alojamento de onde avistavam lá embaixo em meio à escuridão o vulto fantasmagórico da enorme ponte.

Vez ou outra o seu inóspito silêncio era quebrado pela passagem de algum trem que atravessava rapidamente e logo em seguida ela calava-se novamente, rancorosa e taciturna, sobre as águas abundantes do Rio Forth, que solidário guardava consigo todos os segredos que a ponte lhe contava.